O Processo Especial de Revitalização
O
“PER” é um processo especial, criado no Código da Insolvência
e da Recuperação de Empresas (CIRE) que se destina a permitir a
qualquer devedor que, comprovadamente, se encontre em situação
económica difícil ou em situação de insolvência meramente
iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação,
estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a
concluir com estes acordo conducente à sua revitalização
económica, facultando-lhe a possibilidade de se manter ativo no giro
comercial.
Pode
recorrer ao PER todo o devedor que se encontre comprovadamente em
situação económica difícil ou em situação de insolvência
meramente iminente, independentemente de o devedor ser uma pessoa
singular ou uma pessoa coletiva, ou mesmo um ente jurídico não
personalizado (por ex. um património autónomo).
O
processo inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de,
pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita,
de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por
meio da aprovação de um plano de recuperação. Esta declaração
deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data
da sua assinatura.
Com
a referida declaração, o devedor deve, de imediato, comunicar que
pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação
ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência. No
momento em que comunica ao juiz a sua intenção, o devedor deve
também remeter ao tribunal cópias dos seguintes documentos:
a)
Relação, ordenada por ordem alfabética, de todos os credores, com
indicação dos respetivos domicílios, dos montantes dos seus
créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que
beneficiem, e da eventual existência de relações especiais, nos
termos do artigo 49.º;
b)
Relação e identificação de todas as ações e execuções que
contra si estejam pendentes;
c)
Documento em que se explicita a atividade ou atividades a que se
tenha dedicado nos últimos três anos e os estabelecimentos de que
seja titular, bem como o que entenda serem as causas da situação em
que se encontra;
d)
Documento em que identifica o autor da sucessão, tratando-se de
herança jacente, os sócios, associados ou membros conhecidos da
pessoa coletiva, se for o caso, e, nas restantes hipóteses em que as
dificuldades económicas não respeitem a pessoa singular, aqueles
que legalmente respondam pelos créditos;
e)
Relação de bens que o devedor detenha em regime de arrendamento,
aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade,
e de todos os demais bens e direitos de que seja titular, com
indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados de
identificação registral, se for o caso, valor de aquisição e
estimativa do seu valor atual;
f)
Tendo o devedor contabilidade organizada, as contas anuais relativas
aos três últimos exercícios, bem como os respetivos relatórios de
gestão, de fiscalização e de auditoria, pareceres do órgão de
fiscalização e documentos de certificação legal, se forem
obrigatórios ou existirem, e informação sobre as alterações mais
significativas do património ocorridas posteriormente à data a que
se reportam as últimas contas e sobre as operações que, pela sua
natureza, objeto ou dimensão extravasem da atividade corrente do
devedor;
g)
Tratando-se de sociedade compreendida em consolidação de contas,
relatórios consolidados de gestão, contas anuais consolidadas e
demais documentos de prestação de contas respeitantes aos três
últimos exercícios, bem como os respetivos relatórios de
fiscalização e de auditoria, pareceres do órgão de fiscalização,
documentos de certificação legal e relatório das operações
intragrupo realizadas durante o mesmo período;
h)
Relatórios e contas especiais e informações trimestrais e
semestrais, em base individual e consolidada, reportados a datas
posteriores à do termo do último exercício a cuja elaboração a
sociedade devedora esteja obrigada nos termos do Código dos Valores
Mobiliários e dos Regulamentos da Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários;
i)
Mapa de pessoal que o devedor tenha ao serviço.
Recebida
a mencionada comunicação, o juiz deve nomear, de imediato, por
despacho, um administrador judicial provisório.
Com
a instauração do PER, e a respectiva nomeação de administrador
judicial provisório obsta à instauração de quaisquer ações para
cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que
perdurarem as negociações, suspendem-se, quanto ao devedor, as
ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas
logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo
quando este preveja a sua continuação.
Por
outro lado, o devedor fica impedido de praticar atos de especial
relevo, tal como definidos no artigo 161.º do CIRE, sem que
previamente obtenha autorização para a realização da operação
pretendida por parte do administrador judicial provisório. Trata-se,
aqui, de defender os interesses dos credores que participam nas
negociações da prática de atos que lhes possam causar prejuízos
por parte do devedor.
A
este respeito, sublinha-se que a autorização para a prática
daqueles atos deve ser requerida por escrito pelo devedor ao
administrador judicial provisório e concedida pela mesma forma,
destacando-se que entre a comunicação do devedor ao administrador
judicial provisório e a receção da resposta ao pedido não podem
mediar mais de cinco dias, devendo, sempre que possível, recorrer-se
a comunicações eletrónicas. A falta de resposta do administrador
judicial provisório ao pedido formulado pelo devedor corresponde a
declaração de recusa de autorização para a realização do
negócio pretendido.
É
também de referir que os processos de insolvência em que
anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor se
suspendem na data de publicação no portal Citius do despacho de
nomeação do administrador judicial provisório, desde que não
tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência,
extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de
recuperação.
O
administrador judicial provisório desempenha no PER um conjunto de
funções de crucial importância para a boa marcha do processo.
Assim, compete-lhe, principalmente, participar nas negociações,
orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua
regularidade, e deve assegurar que as partes não adotam expedientes
dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha
daquelas. Para além disto, compete ao administrador judicial
provisório elaborar a lista provisória de créditos, bem como
emitir parecer sobre a situação em que se encontra o devedor, nos
casos em que o processo especial de revitalização finde sem que se
tenha obtido acordo conducente à revitalização do devedor e, se
for caso disso, requerer a insolvência deste. Compete ainda
ao devedor promover a apresentação da lista provisória de créditos
na secretaria do tribunal para publicação da mesma no Portal
Citius.
Proferido
que seja o despacho de nomeação do administrador judicial
provisório, o mesmo é de imediato comunicado ao devedor, sendo
ainda publicitado em termos equivalentes aos que a lei prevê para a
publicidade da sentença de declaração da insolvência. Com
este mecanismo de publicitação do despacho de nomeação do
administrador judicial provisório pretende-se assegurar total
transparência na marcha do processo e o pleno conhecimento por parte
de todos os interessados de que podem reclamar os seus créditos
perante o devedor. Acautela-se, assim, a segurança do
comércio jurídico e o respeito do princípio da igualdade de
tratamento de todos os credores.
Logo
que seja notificado do despacho de nomeação do administrador
judicial provisório, o devedor comunica, de imediato e por
meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam
subscrito a declaração com base na qual manifestou a sua pretensão
de se sujeitar ao PER, que deu início a negociações com vista à
sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o
entendam, nas negociações em curso. Na mesma comunicação
o devedor está obrigado a informar os seus credores que a
documentação que acompanha a aludida declaração se encontra
disponível na secretaria do tribunal, para consulta.
Os
credores que decidam participar nas negociações em curso
declaram-no ao devedor por carta registada, podendo fazê-lo durante
todo o tempo em que perdurarem as negociações, sendo tais
declarações juntas ao processo.
Qualquer
credor dispõe de 20 dias, contados da publicação no portal Citius
do despacho de nomeação do administrador judicial provisório para
reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao
administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias,
elabora uma lista provisória de créditos.
A
lista provisória de créditos é imediatamente apresentada pelo
administrador judicial provisório na secretaria do tribunal e
publicada no portal Citius.
A
lista provisória de créditos pode ser impugnada no prazo de cinco
dias úteis e o juiz dispõe, em seguida, de idêntico prazo para
decidir sobre as impugnações formuladas.
Não
sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de
imediato em lista definitiva.
Findo
o prazo para impugnações da lista provisória de créditos, os
declarantes dispõem de dois meses para concluir as negociações
encetadas.
O
prazo de negociações pode ser prorrogado, por uma só vez e por um
mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador
judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser
junto aos autos e publicado no portal Citius.
Durante
as negociações o devedor presta toda a informação pertinente aos
seus credores e ao administrador judicial provisório que haja sido
nomeado para que as mesmas se possam realizar de forma transparente e
equitativa, devendo manter sempre atualizada e completa a informação
facultada ao administrador judicial provisório e aos credores.
As
negociações regem-se pelos termos convencionados entre todos os
intervenientes ou, na falta de acordo, pelas regras definidas pelo
administrador judicial provisório nomeado.
Podem
participar nas negociações os peritos que cada um dos
intervenientes considerar oportuno, cabendo a cada qual suportar os
custos dos peritos que haja contratado, se o contrário não resultar
expressamente do plano de recuperação que venha a ser aprovado.
Realce-se
que durante as negociações os intervenientes devem atuar de acordo
com os princípios orientadores aprovados pela Resolução do
Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de outubro.
O
devedor, bem como os seus administradores de direito ou de facto, no
caso de aquele ser uma pessoa coletiva, são solidária e civilmente
responsáveis pelos prejuízos causados aos seus credores em virtude
de falta ou incorreção das comunicações ou informações a estes
prestadas.
Concluindo-se
as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação
conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os
seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato
remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo
juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação,
atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo
tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os
seus efeitos.
Concluindo-se
as negociações com a aprovação de plano de recuperação
conducente à revitalização do devedor por maioria, o devedor
remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal.
Considera-se
aprovado o plano de recuperação que recolher mais de dois terços
da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos
correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando
como tal as abstenções, sendo o quórum deliberativo calculado com
base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos. O
juiz pode computar os créditos que tenham sido impugnados se
considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser
reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.
Caso
o devedor ou a maioria dos credores concluam antecipadamente não ser
possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo de
negociações sem que se obtenha acordo, o processo negocial é
encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal
facto ao processo, e publicá-lo no portal Citius.
Nos
casos em que o devedor ainda não se encontre em situação de
insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização
nos termos descritos acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
Estando,
porém, o devedor já em situação de insolvência, o encerramento
do processo acarreta a insolvência do devedor, devendo a mesma ser
declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir
da receção pelo tribunal da comunicação efetuada pelo
administrador judicial provisório já mencionada.
A
este respeito, é de sublinhar que compete ao administrador judicial
provisório, na comunicação que tenha efetuado ao tribunal, e
mediante a informação de que disponha, após ouvir o devedor e os
credores, emitir o seu parecer sobre se o devedor se encontra em
situação de insolvência. Em caso afirmativo, incumbe ao
administrador judicial provisório requerer a insolvência do
devedor.
A
lei consagra a possibilidade de serem homologados acordos conducentes
à recuperação de devedores em situação económica difícil ou em
situação de insolvência meramente iminente celebrados fora dos
tribunais.
Neste
caso, o PER inicia-se pela apresentação pelo devedor de acordo
extrajudicial de recuperação, assinado pelo devedor e por credores
que representem pelo menos a maioria de votos prevista no artigo
212.º, n.º 1, do CIRE, devendo tal acordo ser acompanhado dos
documentos necessários para dar entrada ao processo a que acima já
nos referimos.
Recebidos
estes documentos, o juiz nomeia administrador judicial provisório,
devendo a secretaria notificar os credores que no mesmo não
intervieram, e que constam da lista de créditos relacionados pelo
devedor, da existência do acordo, ficando este disponível na
secretaria do tribunal para consulta, e publicar no portal Citius a
lista provisória de créditos, logo que o administrador judicial
provisório a remeta ao tribunal, seguindo-se, com as necessárias
adaptações, o regime já atrás descrito mesta matéria.
Convertendo-se
a lista de créditos em definitiva, o juiz procede, no prazo de 10
dias, à análise do acordo extrajudicial, devendo homologá-lo se
respeitar a maioria necessária para a aprovação do acordo a que já
atrás se aludiu.
Caso
o juiz não homologue o acordo, é encerrado o processo, aplicando-se
idêntico regime ao que atrás se descreveu para as situações em
que não é obtido acordo, com a particularidade de o devedor poder
recorrer ao PER antes que sejam volvidos dois anos sobre o termo do
processo.
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