Aval prestado por insolvente


Conforme o estatuído, no artigo 81º, 1 e 2, do CIRE dispõe que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência. Ao devedor fica interdita a cessão de rendimentos ou a alienação de bens futuros susceptíveis de penhora, qualquer que seja a sua natureza, mesmo tratando-se de rendimentos que obtenha ou de bens que adquira posteriormente ao encerramento do processo, para estatuir que são ineficazes os actos realizados pelo insolvente em violação dessas regras, respondendo a massa insolvente pela restituição do que lhe tiver sido prestado apenas segundo as regras do enriquecimento sem causa, salvo se esses actos, cumulativamente, forem celebrados a título oneroso com terceiros de boa fé anteriormente ao registo da sentença da declaração de insolvência e não forem de algum dos tipos referidos no n.º 1 do artigo 121.º. Relativamente aos actos praticados pelo insolvente após a declaração de insolvência que não contrariem o disposto no n.º 1, pelas sua dívidas respondem apenas os seus bens não integrantes da massa insolvente. É, assim, patente que a declaração de insolvência importa que o devedor fique privado dos poderes de administração e disposição do seu património. Perde a posse material e as faculdades de administração e disposição, quer dos bens que possui aquando da declaração de insolvência, quer dos bens e rendimentos que, de futuro, lhe advenham (artigo 46º do CIRE). Privação que se não estende aos bens excluídos da massa insolvente, em relação aos quais o devedor conserva a liberdade de disposição, mas se o insolvente celebrar negócios sobre os bens da massa insolvente, estes são considerados ineficazes em relação a ela, passando a mesma a responder apenas nos termos do enriquecimento sem causa pelo que lhe tiver sido prestado (artigo 81º, 6, do CIRE). Deste modo, o insolvente, pessoa singular, não está impedido de praticar actos com carácter patrimonial, apenas lhe está vedada a possibilidade de os praticar se tiverem reflexos na massa insolvente.
A generalidade dos efeitos da declaração de insolvência são instrumentais em relação ao processo de insolvência, devendo servir o seu fim - tornar mais fácil a satisfação paritária dos interesses dos credores ou, pela negativa, impedir que, após a declaração de insolvência, algum credor obtenha uma satisfação mais eficaz, mais completa ou mais rápida, do que os demais. Os efeitos da declaração de insolvência têm subjacente o princípio par conditio creditorium ou princípio da igualdade dos credores, o qual deve orientar a aplicação de todas as normas que os consagram. Efeitos há quanto ao devedor que são necessários, cuja produção é automática em função da sentença de declaração deinsolvência. E nesses se integra, dentre outros, a privação dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente e, se praticados actos em violação desse dever, eles são ineficazes (artigo 81º do CIRE).
Primordialmente, esse efeito da declaração de insolvência sobre o devedor é de natureza patrimonial, pelo que ele fica privado dos seus poderes de administração e disposição quanto aos bens compreendidos na massa (artigo 46º do CIRE). Em rigor, a massa não abrange a totalidade dos bens do devedor susceptíveis de avaliação pecuniária, mas apenas os que forem penhoráveis e não excluídos por disposição especial, acrescidos dos que, não sendo penhoráveis, sejam voluntariamente oferecidos pelo devedor, conquanto a sua impenhorabilidade não seja absoluta. Igualmente os bens advenientes ao devedor no decurso do processo, seja a que título for, integrarão a massa insolvente se penhoráveis ou se decorrerem da sua oferta voluntária. Claro que se o devedor insolvente apresentar voluntariamente os bens relativamente impenhoráveis, eles passarão a integrar a massa definitivamente e não mais poderão ser desafectados enquanto decorrer o processo.
Considerações que facultam a conclusão de que o devedor, não obstante a sua declaração de insolvência, pode administrar e dispor dos seus bens desde que não integrem a massa insolvente, o que equivale a afirmar que o devedor insolvente não sofre quaisquer limitações aos poderes de administração e até de disposição de bens não compreendidos na massa insolvente e que, em princípio, esses actos são válidos e eficazes.
A prestação de aval após a declaração de insolvência reflecte-se nos poderes de actuação do devedor no domínio da sua esfera patrimonial, mas pode não atingir quaisquer bens compreendidos na massa.
Figura admitida pela Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, doravante designada por LULL, e que passa a produzir todos os efeitos próprios da livrança se preenchida antes da apresentação a pagamento (artigos 10º e 77º LULL). A perfeição da obrigação cambiária ocorre desde que o preenchimento ocorra aquando do vencimento, quer se entenda que a obrigação surge no momento da emissão ou tão só no momento do vencimento. Pode suceder que o pagamento da livrança seja, no todo ou em parte, garantido por aval. Garantia que é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da livrança (artigos 30º e 77º LULL).
Essa é a função específica do aval: garantir ou caucionar a obrigação do subscritor cambiário. A obrigação do avalista é autónoma da do avalizado e a responsabilidade imanente à prestação do aval é do avalista e afecta o seu património pessoal. De facto, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (artigo 32º LULL), pelo que a medida da sua responsabilidade é a do avalizado, embora a sua obrigação se insira ao lado da obrigação do subscritor cambiário, cobrindo-a e caucionando-a. “Responde da mesma maneira” que o avalizado e ocupa posição igual à deste, respondendo como obrigado directo ou de regresso consoante a obrigação do avalizado. Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação configurada no título. Garantindo o avalista o pagamento da dívida avalizada, ao dar o aval, ele assume o pagamento de uma dívida própria, obrigando-se, por isso, a título principal e não meramente acessório.
Equivale a dizer que, accionado por via do aval, o oponente garante com o seu património, como dívida própria, o pagamento da obrigação da avalizada, a significar que afectou o seu património. Não cremos, ainda assim, que esse acto de prestação de aval seja ineficaz, porque dele não resulta, sem mais, a disposição de bens compreendidos na massa insolvente, elemento essencial para obter a declaração de ineficácia de qualquer acto de disposição ou de administração do insolvente. Reiteramos, resulta da própria norma que pelas dívidas do insolvente constituídas após a declaração de insolvência respondem apenas os seus bens não integrantes da massa insolvente (artigo 81º, 8, a), do CIRE). Encerrado o processo de insolvência, o devedor recupera até, em regra, o poder de disposição dos seus bens (artigo 233º, 1, a), do CIRE). Tudo a justificar a subsistência do acto praticado pelo insolvente após a sua declaração de insolvência.

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