Incidente de Diferimento da Desocupação do Imóvel

Acordam os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
1 – Relatório.
No processo de insolvência nº 327/12.9TBPVL-G (processo de liquidação – CIRE), que corre termos no Tribunal Judicial de Póvoa de Lanhoso, o Mmº Juiz a quo proferiu (em 02.12.2013) despacho sobre uma peticionada pelo credor B… entrega de imóvel.
Inconformados com tal decisão, dela vieram recurso os insolventes A… e M…, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões (transcrição):
“1 - Tem o presente recurso por objecto o douto despacho prolatado pelo tribunal a quo no decurso do presente apenso de liquidação, com a referência n.º 1073016,
2 - Os aqui Recorrentes foram declarados recorrentes [insolventes?] a 05 de Julho de 2012, no decurso dos presentes autos.
3 - No decurso destes autos foi aprovado[a?] na assembleia de credores realizada a 17 de Setembro de 2012, a liquidação do activo apreendido para a massa insolvente.
4 - Foi apreendido para a massa insolvência o prédio urbano, fracção designada pela letra "R" relativa a habitação tipo T3, sita na Rua …, concelho de Guimarães, devidamente descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães com o n.º … e inscrita na respectiva matriz sob o artigo …, freguesia de Azurém.
5 - É naquele imóvel que os recorrentes têm instalados[a?] a casa de morada de família, como outrossim foi comunicado aos presentes autos no requesto de 10 de Abril de 2013.
6 – Entrementes, veio o credor B…, S.A. requerer a entrega do imóvel apreendido para os presentes autos, se necessário através da força pública.
7 - Pronunciando-se sobre tal requesto, vieram os aqui Recorrentes, peticionar através do seu requesto de 18/10/2013, a suspensão das diligências atinentes à desocupação e entrega do imóvel sub judice [?], nos termos do art. 930.º n.º 6 e art. 930.º-B n.º 3 a n.º 6 do CPC, com fundamento na necessidade prévia da valoração da situação socioceonómica do executado, as quais são de momento precárias, dado, desde logo, os exiguíssimos rendimentos que os [o?] mesmos [mesmo?] aufere,
8 - Neste sentido, dado que in casu verificam sérias dificuldades de realojamento, devem ser informadas as entidades competentes e espoletados os mecanismos sociais necessários para realojamento dos recorrentes e do seu agregado familiar.
9 - Tanto mais que, só assim se respeita o principio da dignidade da pessoa humana - dos insolventes e dos seus filhos - e da promoção da família, enquanto núcleo estruturante da nossa sociedade, conforme consagra aliás a Constituição da [?]
10 - Não obstante a grandeza e eloquência do silogismo apresentado pelos recorrente[s?], o Tribunal a quo não acolheu os argumentos e a prova carreada pelos aqui Recorrentes, pelo que, deferindo o requestado pelo Credor B…, conforme despacho com a referência n.º 10730156, ora recorrido [?].
11 - Acontece que, salvo o devido respeito, o silogismo apresentado pelo Tribunal a quo não apresenta qualquer correspondência com a realidade fáctica, nem com o Direito que lhe é aplicável. Senão vejamos.
12 - Conforme ressuma dos presentes autos, os aqui Recorrentes reinstalarem [?] o seu agregado familiar, composto por ambos, bem como pelos seus filhos, no imóvel apreendido nestes autos e acima identificado, em sequência da forte debilidade económica e financeira dos Recorrentes [?].
13 - De notar que, os filhos dos Recorrentes encontram-se a frequentar o ensino superior, não auferindo, por isso, qualquer rendimento.
14 - Como tal, o único provento auferido pelo agregado familiar é o que advém do subsídio de desemprego auferido pelo insolvente varão, visto que a Insolvente mulher se encontra desempregada, e que ascende à cifra diária de € 13.97 (treze euros e noventa e sete cêntimos).
15 - Assim, é com base no singelo rendimento auferido pelo insolvente que são suportadas todas as despesas daquele agregado familiar.
16 - Como tal, face à carência de meios económicos dos recorrentes não se verifica a mínima capacidade dos recorrentes em abandonar o imóvel apreendido e, por decorrência, arrendarem uma nova habitação.
17 – Aliás, como facilmente se constata, a subsistência/sobrevivência dos recorrentes e dos seus filhos apenas é conseguida com a ajuda de familiares e amigos, sendo certo que, mesmo com o seu auxílio, nenhum deles dispõe de condições para albergar, ainda que temporariamente, um agregado familiar de quatro adultos.
18 - Neste sentido, não restou outra solução aos recorrentes senão procurar uma habitação, que pudessem arrendar, por um valor abaixo da média.
19 – Porém, esta opção mostrou-se, desde logo, infrutífera pois que os senhorios exigem fiadores, sendo que, muitos deles exigem ainda a análise da situação financeira dos arrendatários, através do seu IRS, e ainda requestam o pagamento adiantado de, pelo menos, duas rendas, o que, desde logo obstaculiza a celebração de um contrato de arrendamento.
20 - Neste sentido, é impossível aos recorrentes abandonarem o respetivo imóvel, sem ficarem completamente desalojados, isto é, tornando-se em “sem abrigos” – situação, facilmente, evitável, com o diferimento da entrega do imóvel para um prazo não inferior a 90 (noventa) dias.
21 – Assim, evidencia-se imprescindível que, face à incapacidade económica e financeira dos aqui Recorrente[s?] de per si obterem casa para instalar a casa de morada de família, seja comunicada à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes essa mesma incapacidade, de modo a serem espoletados os mecanismos sociais ao serviço da população no sentido de instalarem os aqui recorrente[s?] e o seu agregado familiar.
22 - Tanto mais que, estabelece, o n.º 5 do artigo 160.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas que À desocupação de casa de habitação onde residia habitualmente o insolvente é aplicável o disposto no artigo 930-A do Código do Processo Civil, que, por sua vez, prevê que serão aplicáveis para entrega de coisa imóvel arrendada o estipulado nos artigos 863.º e 863.º
23 - Salvaguardando o direito, constitucionalmente consagrado, da habitação condigna, o art. 861.º, n.º 6 do CPC, ex vi art. 150.º, n.º 5 do CIRE, dispõe que “tratando-se de casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto ns n.º 3 5 do art. 863 e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes” podendo ser requerido o diferimento da desocupação do imóvel, nos termos do art. 864.º do CPC.
24 - Estatui o n.º 1 do art. 864.º do Código do Processo Civil estabelece que, no caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo para a oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provadas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três. 
25 - Por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo legal prescreve que, o diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa fé, a cistuntância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas(..)” 
26 – Assim, atentas as exigências teleológicas e axiológicas dos normativos legais supra transcritos e, bem assim, as actual situação económica e financeira dos Recorrente apodíctico se constata que, devem as diligências de desocupação e entrega do imóvel apreendido para a presente demanda serem suspensas até instalação dos insolventes em nova habitação.
27 - Deste modo, não se percebe a razão de ciência pela qual, o Tribunal a quo indeferiu o requesto apresentado pelos Recorrente no seu requesto de 18 de Outubro de 2013.
28 – Outrossim, bastava para tal o Tribunal a quo atender à frágil situação económica e financeira do agregado familiar dos Recorrentes para que a entrega efectiva do imóvel fosse diferida. 
29 – Aliás, só não valorando devidamente a prova documental produzida no sobredito requesto dos recorrente e que o Tribunal a quo pode decidir pela imediata entrega do imóvel.
30 - Tudo isto contribuindo para a prolação de uma decisão que não se harmoniza com as disposições legais aplicáveis in casu e, muito menos, com as idiossincrasias em se estribam os insolventes.
31 - Destarte em prol da verdade é do direito torna-se apodítico que deve a decisão a quo ser revogada e, por conseguinte, substituída por uma outra que ordene a imediata suspensão das diligências atinentes à desocupação domimóvel apreendido para os presentes autos e o diferimento da desocupação até instalação dos recorrentes em nova habitação. 
32 - Tanto mais que, as presentes alegações tem suporte legal no artigo 861.º, 862.º, 863.º, e 864.º do Código do Processo Civil e artigo 150.º n.º 5 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas e nas demais disposições legais que V/ Exas. considerem aplicáveis in casu.”
Concluem pugnando pela revogação da decisão a quo e pela substituição por uma outra que defira a desocupação o imóvel apreendido para os presentes autos, pelo recorrente, até instalação destes em nova habitação. 
Não foram oferecidas contra-alegações. 
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto dos recursos, cumpre apreciar e decidir.
2 – Questão a decidir.
Questão a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações:
Averiguar se tem aplicação ao caso dos autos o disposto no artº 930º-C do Código de Processo Civil, apesar de os insolventes não serem arrendatários, podendo, em consequência, beneficiar do diferimento da desocupação do imóvel da sua habitação permanente e se, na afirmativa, estão verificados os respectivos requisitos.
3 – Conhecendo.
A - Transcreve-se o despacho recorrido, na parte que interessa ao conhecimento do recurso (transcrição):
“1 - O credor Banco…, S.A. veio requerer a entrega, se necessário com o auxílio da força pública, do imóvel apreendido nos autos (fracção autónoma letra “R”) por lhe ter sido adjudicado. 
Explicita que por acórdão do Tribunal da Relação concedeu-se o deferimento da desocupação do identificado imóvel até à sua venda efectiva. 
2 - Ouvidos os insolventes por eles foi dito que não foram observadas certas formalidades exigidas por lei, nomeadamente o disposto no art. 861 nº 6 do CPC e, por remissão, o disposto no art. 863 nºs 3 a 5 do CPC. 
Concluem os devedores que no caso concreto a entrega da casa de morda de família ao adquirente carece sempre da prévia valoração da situação socioeconómica do devedor de modo a que caso se verifiquem sérias dificuldades de realojamento sejam informadas as entidades competentes e espoletados os mecanismos sociais necessários para o realojamento do devedor e seus familiares. 
Ora, continuam os devedores, é patente a dificuldade séria no seu realojamento e do seu agregado (composto por filhos em idade escolar). 
Para prova do alegado juntam os insolventes quatro documentos – cf. fls. 95 e ss. 
Em consequência do exposto, concluem os insolventes que as diligências de desocupação e entrega do imóvel devem ser suspensas nos termos do disposto no art. 930 nº 6 e 930-B nº 3 a 6, ambos do CPC, pois “só assim se respeita o princípio da dignidade da pessoa humana e da promoção da família enquanto núcleo estruturante da nossa sociedade”. 
3 - O Sr. AI defende que, por falta de fundamento legal, deve ser indeferido o requerido pelos insolventes. 
Por um lado, foram os devedores que se apresentaram à insolvência e, portanto, tinham que ter conhecimento de que, uma vez transitada em julgado a sentença e realizada a assembleia, a liquidação do activo deveria ocorrer com prontidão.
Por outro, tendo em conta o tempo já decorrido (a declaração de insolvência tem mais de um ano e a intervenção de força pública para assegurar a venda ocorreu há mais de 6 meses) os insolventes tiveram tempo suficiente para encontrar uma “solução compatível com a situação de insolvência”. 
4 - Factos assentes com relevância (tendo em conta o teor da documentação junta): 
a) O agregado familiar dos insolventes é composto por estes e pelos filhos de ambos, A… e A…. 
b) Os filhos dos insolventes encontram-se ambos a frequentar o ensino Superior, não auferindo qualquer rendimento.
c) O único rendimento auferido pelo agregado familiar dos insolventes é o que advém do subsídio de desemprego auferido pelo insolvente varão e que ascende à cifra diária de € 13.97 (treze euros e noventa e sete cêntimos). 
d) A insolvente mulher encontra-se actualmente desempregada, não auferindo qualquer rendimento. 
e) É com base no rendimento auferido pelo insolvente varão (€ 13.97 diários) que são suportadas todas as despesas daquele agregado familiar, como seja água, lua, gás, alimentação e despesas de educação dos seus filhos. 
5 - Estatui o art. 861.º n.º 6 do CPC que “tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto ns n.º 3 a 5 do art. 863.º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.” 
O n.º 3 a n.º 5 do art. 863.º do CPC, prescreve que: “3 – Tratando-se de arrendamento para habitação, o agente de execução suspende as diligências executórias, quando se mostre, por atestado médico que indique fundamentadamente o prazo durante o qual se deve suspender a execução, que a diligência põe em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda. 4 – Nos casos referidos nos n.ºs 2 e 3, o agente de execução lavra certidão das ocorrências, junta os documentos exibidos e adverte o detentor, ou a pessoa que se encontra no local, de que a execução prossegue, salvo se, no prazo de 10 dias, solicitar ao juiz a confirmação da suspensão, juntando ao requerimento os documentos disponíveis, dando do facto imediato conhecimento ao exequente ou ao seu representante. 5 – No prazo de 5 dias, o juiz de execução, ouvido o exequente, decide manter a execução suspensa ou ordena a imediata prossecução dos autos”. 
6 - À luz das referidas normas não é aplicável a caso o disposto no art. 863 nºs 3 a 5 do CPC. 
Na verdade, a diligência não põe em risco a vida dos insolventes por razões de doença aguda. 
Só nestes casos é que a suspensão pode ser ponderada. 
Apenas temos que aplicar ao caso o disposto no art. 861. nº 6, parte final, do CPC. 
A comunicação antecipada das dificuldades no realojamento do executado à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes não foi feita. 
O sr. AI deverá, pois, proceder a essa comunicação. 
Assim, determino a entrega do imóvel no prazo de 15 dias (não há qualquer causa de suspensão de tal entrega, como se disse) com o cumprimento prévio da comunicação de realojamento às referidas entidades (que tomarão – ou não – as providências adequadas ao caso) e apenas isso, nada obstando, após essa simples comunicação, à entrega. 
Como é óbvio, não está em causa a violação do princípio da dignidade da pessoa humana e da promoção da família – cf. arts. 25 e 67 ambos da C.R.P.” 
B – A questão.
O pedido de suspensão das diligências de entrega do imóvel foi formulado ao abrigo do disposto no artº 930º, nº 6 e 930º-B, números 3 a 6 do CPC.
Tais normativos foram aditados pelo artº 5º da Lei 6/2006, de 27.02. (NRAU) Com efeito, esta lei não alterou apenas o regime substantivo do arrendamento, introduzindo também significativas alterações ao nível da respectiva disciplina processual. Assim, a matéria referente à efectiva desocupação do local arrendado passou a estar prevista no âmbito da acção executiva para entrega de coisa certa, tendo sido acrescentados ao CPC os artigos 930º-B a 930º-E, bem como aditado o nº 6 do artº 930º.
Permitimo-nos citar agora extensamente o Acórdão da Relação do Porto de 24.11.2011 [1], na medida em que no mesmo se julgou situação similar à dos autos e que se subscrevem integralmente as considerações jurídicas ali tecidas:
“Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente (art.º 149º, nº 1, do CIRE), um pouco à semelhança da providência executiva da penhora no âmbito da acção executiva.
São apreendidos todos os bens, mesmo que arrestados, penhorados, apreendidos, detidos ou objecto de cessão aos credores, exceptuados os bens apreendidos por virtude de infracção criminal ou de mera ordenação social. 
Como providência conservatória dos bens apreendidos, por regra, os mesmos devem ser imediatamente entregues ao administrador da insolvência, para que deles fique depositário, regendo-se o depósito pelas normas gerais e, em especial, pelas que disciplinam o depósito judicial de bens penhorados (art.º 150º, nº 1, do mesmo código). Sem prejuízo da apreensão, o nº 5 deste mesmo preceito legal estabelece que “à desocupação de casa de habitação onde resida habitualmente o insolvente é aplicável o disposto no artigo 930.°-A do Código de Processo Civil”. 
Já aquele art.º 930º-A dispõe que “à execução para entrega de coisa imóvel arrendada são aplicáveis as disposições anteriores do presente subtítulo, com as alterações constantes dos artigos 930.°-B a 930.°-E”. 
A recorrente defende que o regime do art.º 930º-C, sendo excepcional, apenas se aplica à execução para entrega de imóvel arrendado, o que não é o caso dos autos, pois o imóvel apreendido para a massa é pertença da Insolvente/Recorrida. 
Ninguém duvida que o nº 1 daquele preceito legal, tal como a sua epígrafe, se refere a situações de arrendamento para habitação. Assim: “No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três”. 
Porém, ao remeter para ali, através do respectivo art.º 150º, nº 5, o CIRE não está a pressupor a existência de um contrato de arrendamento, mas simplesmente a determinar que, com as devidas adaptações, se deve seguir aquele regime, numa perspectiva de salvaguarda do mínimo de dignidade humana, permitindo ao insolvente, tal como se permite, no processo executivo para entrega de coisa certa, ao arrendatário habitacional, usar de um prazo de diferimento da desocupação da casa de habitação, tendo designadamente em vista manter as condições de habitação enquanto o necessitado, num prazo definido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, mediante a verificação de requisitos legalmente estabelecidos (como sejam os nºs 2 e 3 ainda do art.º 930º-C), procura novo espaço habitacional. 
(..)
Trata-se de uma manifestação de salvaguarda de direitos fundamentais de ordem social e familiar (o direito à habitação – art.º 65º da Constituição da República), à semelhança do que o CIRE, por exemplo, prevê quanto ao denominado “rendimento de exclusão” no instituto da exoneração do passivo restante, sob o art.º 239º, nº 3, ou o processo executivo sob o art.º 824º, pela impenhorabilidade de determinados rendimentos como forma de garantir o mínimo indispensável à satisfação das necessidades básicas do devedor e da sua família. 
Nesta perspectiva, faz todo o sentido a remissão legal que não se restringe à aplicação do art.º 930º-B nºs 3 a 6, como defende a recorrente; antes se estende, expressamente, por força do art.º 930º-A, à previsão dos art.ºs 930º-B a 930º-E. Quis o legislador do CIRE que, no essencial, o insolvente (presumivelmente, numa situação de maior gravidade do que a do executado) beneficiasse dos direitos concedidos aos inquilinos de habitação nos termos daquelas disposições legais. 
(...)
Em conclusão, é aplicável aos insolventes singulares o benefício do diferimento de desocupação da casa de habitação previsto nos art.ºs 930º-C e 930º-D do Código de Processo Civil. 
Terão que ser acauteladas as particularidades das situações; ou seja, a aplicação daquele regime ao insolvente respeitará as especificidades inerentes. Não havendo lugar a renda por o insolvente ser o dono do imóvel, não é possível o estabelecimento da caução (a favor da massa insolvente) a que se refere a al. a) do nº 3 do art.º 930º-C e que poderá ser exigida ao arrendatário relativamente às rendas vincendas sob pena de perda do benefício. É de admitir que este esteja ainda em condições de suportar encargos; já o mesmo não se poderá dizer do insolvente. 
A atribuição do benefício ao insolvente não acarreta um prejuízo significativo para os credores. O benefício é sempre temporário, fixado por um prazo razoável (...). E nem por isso o imóvel deixa de ser vendido desonerado, tal como não se prevê que, pela concessão do benefício, haja uma diminuição do seu valor ou dos interessados na sua aquisição, sendo até provável que, com o decorrer das diligências da liquidação se esgote o período do benefício, encontrando-se devoluto na data da venda. (...)”
Dos factos considerados provados no despacho recorrido evidencia-se que os insolventes não estão em condições económicas de obter nova habitação que não seja por meio de subsidiação ou ajuda social organizada.
Com efeito, o nível de rendimento provado (facto c) é um valor inferior ao salário mínimo nacional, destinando-se a fazer face a todas as despesas de um agregado familiar de 4 pessoas (sendo que os filhos dos insolventes frequentam o ensino superior e não auferem qualquer rendimento).
Aquele nível de rendimento implica necessariamente que a desocupação imediata da habitação causaria aos insolventes um prejuízo muito superior à vantagem conferida aos credores (ou credor).
Assim, não pode o despacho recorrido manter-se, devendo ser revogado e determinando-se, (atento também o tempo entretanto decorrido desde a formulação do pedido), nos termos dos artigos 930º-C, números 1 e 2 alínea a) e 930º-D, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil, o diferimento da entrega do imóvel por 90 dias (cfr. artº 20 da alegação).
O recurso será, pois, julgado procedente.
5 – Dispositivo.
Tudo visto, acordam os juízes da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, consequente, revogar a decisão recorrida, determinando-se o diferimento da entrega do imóvel por 90 dias (cfr. artº 20 da alegação).
Sem custas.
Guimarães, 15 de Maio de 2014
Edgar Gouveia Valente
Paulo Barreto
Filipe Caroço
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[1] Proferido no processo 1924/10.2TJPRT-C.P1 (disponível em www.dgsi.pt) e em que foi relator o Sr. Desembargador ora 2º Adjunto.

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