Crédito Tributário - Processo Especial de Revitalização (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.05.2014)
48/13.5TYVNG.P1 |
JTRP000
TERESA SANTOS
CRÉDITO TRIBUTÁRIO
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO
RP2014051548/13.5TYVNG.P1
15-05-2014
UNANIMIDADE
S
1
APELAÇÃO
REVOGADA
3ª SECÇÃO
Destina-se o Processo Especial de Revitalização a permitir ao devedor que, encontrando-se em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas susceptível de recuperação, estabelecer ajustes com os respectivos credores por forma a concluir com estes um pacto que vise a sua revitalização, assumindo-se como um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, sob a direcção e escrutínio do administrador judicial provisório.
Com a introdução do Processo Especial de Revitalização no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, a satisfação dos direitos dos credores deixou deassumir o lugar único que tinha, enquanto objectivo principal da figura da liquidação do devedor, passando a revitalização do devedor a consubstanciar, também, um fim a ter em conta, alterando, assim, o paradigma da legislação falimentar.
O Plano de Revitalização aprovado que comporte, de forma inequívoca, uma redução da dívida tributária de que é titular o Estado/Segurança Social, encerra uma violação não negligenciável ou não desculpável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, insusceptível de poder ser suprida com o consentimento do tutelado, já quedesrespeitou normas imperativas tributáveis, e nessa medida dever ser recusada a respectiva homologação.
Proc. n.º48/13.5TYVNG.P1 - 3.ª Secção (Apelação)
Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – 1.º Juízo
Relatora: Teresa Santos
Adj. Desemb.: Aristides Almeida
Adj. Desemb.: José Amaral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B.., Lda. sociedade por quotas, com sede na Rua …, n.º ., ..º sala ., …, em Matosinhos, veio instaurar o presente processo especial de revitalização, em 10.01.2013, requerendo a imediata nomeação de “administrador judicial provisório”, e alegando, em síntese, como suporte da sua pretensão: a requerente enfrenta sérias dificuldades para cumprir as suas obrigações, designadamente perante os seus fornecedores e a banca, decorrente do sector em que se insere – sector dos transportes – ser um dos que mais tem sofrido as consequências da grave crise económica e financeira que Portugal atravessa; o agravamento dos preços do petróleo trouxe consequênciasdevastadoras para as empresas de transporte, reflectindo-se nos preços dos combustíveis, nomeadamente no gasóleo, sendo o fornecedor deste produto o mais relevante nesta empresa; actualmente, nenhum fornecedor de gasóleo efectua venda a crédito, sendo obrigatoriamente todo pré-pago; acresce que as restrições no acesso ao crédito bancário impedem que o reforço da tesouraria se faça por recurso ao financiamento externo; daí que a requerente tenha hoje um nível de endividamento, com vários créditos vencidos, ao qual não consegue fazer face, tendo alguns desses credores já intentado acções contra a requerente, visando a penhora e a remoção dos seus bens; não obstante, a requerente acredita numa recuperação, a qual deverá ocorrer dentro dos próximos 3 a 5 anos, porquanto este tipo de actividade é tendencialmente cíclica; a requerente possui uma elevada carteira de clientes, não lhe faltando inúmeros trabalhos, chegando a ter dias que não dispõe de camiões suficientes para colmatar todos os pedidos de cargas; a empresa da requerente será viável desde que seja adoptada uma estratégia adequada quer ao seu nível deendividamento quer ao mercado em que desenvolve a sua actividade; a solução passa por definir em conjunto um plano que reestruturando o passivo existente, permita estabelecer um período alargado de carência, aguardando a estabilização e posterior recuperação do mercado, que possibilite o desenvolvimento da actividade e a obtenção de resultados positivos para pagamento das dívidas existentes; razão pela qual a requerente apresenta este processo especial de revitalização, para o qual tem desde já o apoio de diversos fornecedores; cumpre assim a requerente os requisitos enumerados nos art.ºs 17.º-A, B e C, existindo condições para se iniciar oprocesso especial de revitalização.
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Em 04-02-2013 foi proferido o seguinte despacho:
«Decorre do disposto no art.º 17.º-C, n.º 1, da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, que “O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade dodevedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da provação de um plano de recuperação”.
Acrescenta o n.º 2 que “A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura”.
Por sua vez, decorre da al. a), do n.º 3 que “Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adotar os seguintes procedimentos: Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência,devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações”.
Assim, encontrando-se reunidos os respectivos pressupostos legais para se proceder à nomeação do administrador judicial provisório, nomeia-se para o efeito, o Sr. Dr. C…, Rua …, …., sala ., apartado …. – …, ….-… Maia».
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Em 4.05.2013 o Administrador Judicial Provisório veio aos autos requerer a sua substituição, pelos motivos que expõe a fls. 266 a 268, o que veio a ser deferido pelo Tribunal a quo que logo nomeou para o substituir o Sr. Dr. D…, …, …, ….-… Porto, conforme despacho de 07.03.2013.
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O Sr. Administrador Judicial Provisório, dando cumprimento ao disposto no n.º 2 do art. 17º-D do CIRE, veio apresentar a lista provisória de créditos, a fls. 314 a 325.
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Em 21.05.2013 veio o Sr. Administrador Judicial Provisório, dar conta ter havido um lapso de escrita quanto ao credor E…, pois o crédito que se reconhece é de € 22.414,30 e o não reconhecido é de € 18.000,00, juntando a lista provisória de credores, corrigida.
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Por fax de 31.07.2013, junto aos autos, dirigido ao Ministério Público, a Autoridade Tributária Aduaneira – Direcção de Serviços de Gestão de Créditos Tributários, comunicou que a posição da Administração Fiscal é, face ao teor do plano de revitalização, na versão remetida no e-mail, referenciado, de votação favorável do mesmo, visto prever o pagamento do crédito reclamado segundo o regime jurídico definido para a regularização das dívidas fiscais.
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A fls. 413 veio a requerente, B…, Lda. juntar aos autos o plano de recuperação e, informando que está a decorrer o prazo de 10 dias previsto no n.º 4 do art.º 17.º -F do CIRE.
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A fls. 440, veio novamente aquela requerente dizer que aquele plano de recuperação foi objecto de adenda, a fim de corrigir as irregularidades constatadas, quanto aos créditos, da F…, S.A. e do trabalhador G…, juntando, assim, o plano referido, mas agora corrigido.
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A fls. 483 veio o Sr. Administrador Judicial Provisório apresentar o mapa com o resultado da votação expressa pelos credores, tendo o plano de recuperação sido aprovado com 75,52% dos votos.
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Tal plano não obteve voto expresso favorável do Instituto de Segurança Social, I.P..
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No que respeita ao Instituto de segurança Social, I.P., consta do referido plano de recuperação (fls. 493 dos autos):
Capital – O montante da dívida reconhecida à Segurança Social será pago em 120 prestações mensais progressivas de acordo com o seguinte:
- 1.ª à 12.ª prestação, 25% do VP;
- 13.ª à 24.ª prestação, 50% do VP;
- 25.ª à 36.ª prestação, 75% do VP;
- 37.ª à 120.ª prestação , 100% do VP
Em que: VP = valor em dívida/nr total de prestações e VPR = (valor da dívida – valor já pago) /nr prestações remanescentes.
Juros – redução de 80% dos juros vencidos, considerando juros vincendos à taxa de 2,5%. A primeira prestação vencer-se-á um mês após a data do trânsito em julgado da sentença homologatória da presente proposta com a manutenção da garantia do acordo prestacional prevista.
Garantias: Garantias a serem efectuadas a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
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Em 01.10.2013, foi proferida sentença com a fundamentação e dispositivo cujo teor se transcreve:
«B… LDA., pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua …, ., sala ., …, Matosinhos, veio instaurar o presente processo especial de revitalização.
Tendo em consideração os votos computados constata-se que foi aprovado o plano de recuperação com 75,52% dos votos.
Cumpre apreciar e decidir
Estipula o n.º 3, do artigo 17.º-F, do CIRE, na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril que “Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º, sendo o quorum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs. 3 e 4 do artigo 17.º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditosdeverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida”.
Estipula o nº 1, do art.º 212º, do C.I.R.E., que “a proposta de plano de insolvência considera-se aprovada se, estando presentes ou representados na reunião credores cujos créditos constituam, pelo menos, um terço do total dos créditos com direito de voto, recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais demetade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções”.
Atento o exposto e ao abrigo do disposto nos nºs. 2, 3, 4 e 5 do artigo 17.º-F, da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, homologa-se, pela presente sentença, o plano derecuperação.
Custas a cargo da devedora – cf. n.º 7, do artigo 17.º-F, na redacção conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril».
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Não se conformou o credor, Instituto da Segurança Social, I.P., representado através do seu Centro Distrital do Porto, e interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações que culminam com as seguintes,
CONCLUSÕES:
31- A questão colocada neste recurso é a de saber se é aplicável aos créditos da Segurança Social, o plano de viabilização homologado por despacho do 1-10-2013, o qual estabelece, no que respeita à segurança social, as seguintes condições:
1. Regularização da dívida à Segurança Social:
Capital – O Montante da dívida reconhecida à Segurança Social será pago em 120 prestações mensais progressivas de acordo com o quadro seguinte:
Em que: VP = valor em dívida/número total de prestações e VPR= (valor da dívida-valor já pago) /nr prestações remanescentes Juros – redução de 80% dos juros vencidos, considerando juros vincendos à taxa de 2,5%.
A primeira prestação vencer-se-á um mês após a data do trânsito em julgado da sentença homologatória do presente proposta com a manutenção da garantia do acordo prestacional prevista.
32- Não é aplicável porque, de facto, e como acima já se afirmou, e é verdade, aquele plano violou e viola o disposto no artigo 30º, números 2 e 3 da Lei Geral Tributária, conjugado com os artigos 190º e 191º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16-09.
33- Senão, vejamos:
Da violação das normas previstas na Lei Geral Tributária e nos artigos 190º e 191º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial deSegurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16-09
34- O sistema de segurança social configura-se, na nossa ordem constitucional, como um sistema universal, devendo garantir a toda a população, independentemente da respectiva situação profissional, a protecção em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
35- Só com o pagamento efectivo das contribuições será possível ao sistema proceder ao pagamento atempado das prestações sociais, sendo este um dos motivos mais do que justificativo para o nosso ordenamento jurídico criar normas legais que actuem como desincentivo suficientemente penoso para os agentes não se colocarem em situações de incumprimento.
36- É hoje pacífico que a obrigação contributiva da segurança social, sem prejuízo da sua especialidade, pertence ao domínio mais amplo das relações jurídico-tributárias, atento o disposto no art. 1º e 3º nº 2 da LGT.
37- Pelo que, de acordo com o nº 30º nº 2 da referida Lei “ O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito ao princípio da igualdade e da legalidade tributária.”
38- Acresce que a Lei 55-A/2010, de 31/12, através do seu artigo 125º, veio reforçar o vertido no nº 2 do artigo 30º da LGT, introduzindo o nº 3 a esse artigo 30º da LGT, do qual consta que “… o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”
39- Dispõe o artigo 125º da Lei 55ª/2010, de 31/12 que “O disposto nº 3 do artigo 30º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação (…)”.
40- Ora, a sentença de homologação foi proferida a 1-10-2013, pelo que o nº3 do artigo 30º da LGT lhe é aplicável por força do artigo 125º da Lei 55-a/2010, de 31/12.
41- Por seu turno o regime jurídico de regularização das dívidas à segurança social encontra-se regulado, nomeadamente, nos artigos 190º e 191º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16-09.
42- Estatuem as citadas normas, o que segue:
“Artigo 190.º
Situações excepcionais para a regularização da dívida
1 — A autorização do pagamento prestacional de dívida à segurança social, a isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos, só é permitida nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte e das regras aplicáveis ao processo de execução fiscal.
2 — As condições excepcionais previstas no número anterior só podem ser autorizadas quando, cumulativamente, sejam requeridas pelo contribuinte, sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste e desde que o contribuinte se encontre numa das seguintes situações:
a) Processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização;
…
3 — Para efeitos do disposto no número anterior, o incumprimento do pagamento das contribuições mensais desde a data de entrada do requerimento constitui indício da inviabilidade económica do contribuinte.
…”
43- Decorre das normas acima transcritas, que o homologado plano de revitalização aprovado não respeita as condições impostas pela lei, já que, e nomeadamente:
- Decide, sem autorização da Segurança Social, o pagamento do capital em dívida em 120 prestações mensais;
- Altera, sem consentimento do recorrente, a taxa dos juros vincendos para 2,5% e reduz dos vencidos em 80%.
- Porque a devedora não se encontra a efetuar o pagamento das contribuições mensais correntes, desde 12-2012, estamos perante um indício da inviabilidade económica do contribuinte.
44- Ora, aquelas violações da lei tornam o douto despacho aqui em discussão nulo, relativamente, pelo menos, à Segurança Social,
45- Pelo que não se lhe deverá aplicar.
46- Em decorrência, o presente recurso deverá ser aceite e julgado provado e procedente e a douta sentença/despacho ser revogado e substituído por um outro quedetermine, minimamente, que o plano de revitalização não se aplicará à Segurança Social, aqui representada pelo ISS.
TERMOS EM QUE, V. Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, revogando a douta sentença/despacho aqui em crise, que homologou o plano de revitalização, defls. …, quanto ao credor recorrente, considerando-o ineficaz quanto a este, pelos fundamentos supra expostos, e em consequência mandando ordenar os ulteriores termos processuais,
Farão a mais sã e inteira JUSTIÇA.
*
Não foram apresentadas contra alegações.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II
A questão a decidir é tão só a seguinte:
- Aferir se o tribunal a quo incorreu em error in judicando ao proferir decisão de homologação do plano de recuperação da devedora.
III
A factualidade relevante provada nos autos é a que consta do relatório que antecede, que por razões de economia processual nos dispensamos de repetir nesta sede.
IV
Sustenta, essencialmente, o recorrente que apresentando o plano de recuperação, aprovado no caso sob recurso, uma redução dos juros e uma modificação dos prazosde pagamento dos créditos de contribuições para a Segurança Social, que o tribunal a quo não devia ter homologado – por compreender a violação de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza – tal plano de recuperação.
Vejamos:
O processo especial de revitalização, introduzido no CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, destina-se, nos termos ali prescritos, a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I” (n.º 1 do art.º 17.º-A do CIRE, interessando ainda o disposto no art.º 1.º, n.ºs 1 e 2).
Como nos diz Catarina Serra, in “Processo Especial de Revitalização” - contributos para uma “rectificação” in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, Abril/Setembro 2012, pág. 716, “o PER é um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de o devedor [qualquer devedor] obter um plano derecuperação sem ser declarado insolvente”, sublinhando a mesma que para “os credores fica, mais uma vez, reservado o papel fundamental: ou consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou então manterem-se irredutíveis, caso em que o plano de recuperação não é aprovado e aquele risco se concretizará.”
A viabilização da empresa é assim suportada pelo acordo dos credores, impondo por isso a lei a respectiva aprovação por uma maioria qualificada dos créditos, em ordem a garantir a eficácia do plano aprovado que, deste modo, se torna vinculativo para os restantes.
Da análise do regime legal consagrado, resulta estarmos perante um processo de negociação entre credores e devedor, mediado e participado pelo administrador judicial provisório nomeado (cfr. n.º 9 do art.º 17.º-D).
Apesar da preponderância atribuída aos credores, concluídas as negociações, o plano carece, ainda, de homologação judicial (art.º 17.ºF, n.ºs 1 e 2 do CIRE), sendo que, para decisão, o juiz deve aferir da conformidade legal das medidas aprovadas.
Assim, segundo o art.º 192.º, n.º 2 do CIRE “o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados”.
Deste modo, quer os credores, quer os terceiros só podem ser atingidos caso se verifique um destes requisitos: se houver consentimento do próprio visado ou quando a afectação for expressamente autorizada pelas normas legais integradas no título IX do CIRE.
Segundo o art.º 196.º, n.º 1 do CIRE, o plano de insolvência (aqui plano de recuperação) pode conter (cfr. as alíneas da norma) várias medidas e providências com incidência no passivo da empresa devedora, tais como o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos, a constituição de garantias e a cessão de bens aos credores. Por seu turno, nos termos do n.º 2, a possibilidade de reduzir ou extinguir garantias só não procede em relação às que beneficiam créditos do Banco Central Europeu, bancos centrais dos Estados-Membros da União Europeia e participantes em sistemas de pagamentos como tal definidos na Directiva n.º 98/26/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19.05, ou equiparável.
Segundo o disposto no art.º 197.º do CIRE, se nada em sentido contrário for expressamente consagrado no PR, os direitos decorrentes de garantias reais e deprivilégios creditórios não são afectados pelo plano (alínea a); os créditos subordinados consideram-se totalmente perdoados (alínea b) e o cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas remanescentes da insolvência (alínea c).
Flui do exposto com meridiana clareza que o PR pode afectar os créditos de todos os credores privados ainda que com o voto desfavorável dos mesmos.
Especificamente quanto aos credores públicos - Estado e Segurança Social - e considerando que o ISS não votou favoravelmente o PR aprovado, importa sublinhar que, para decidir da homologação ou não do plano de recuperação, o juiz deve levar em conta o disposto nos art.ºs 215.º e 216.º do CIRE. (art.º 17º-F, n.º 5 do CIRE)
Assim, prescreve o art.º 215.º do CIRE que o juiz recusa a homologação do plano aprovado no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. Devem ser consideradas “não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza” – cfr. Luís Carvalho Fernandes e João Labareda in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, 2.ª ed., reimpressão, Quid Juris, 2009, pág. 713.
Segundo o art.º 190.º do Código Contributivo (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16.09), “A autorização do pagamento prestacional de dívida à segurança social, a isenção ou redução dos respetivos juros vencidos e vincendos, só é permitida nos termos do presente artigo, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte e das regras aplicáveis ao processo de execução fiscal” (n.º 1); “As condições excepcionais previstas no número anterior só podem ser autorizadas quando, cumulativamente, sejam requeridas pelo contribuinte, sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste edesde que o contribuinte se encontre numa das seguintes situações”: “a) Processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização”; (...) (n.º 2); “Para efeitos do disposto no número anterior, o incumprimento do pagamento das contribuições mensais desde a data de entrada do requerimento constitui indício da inviabilidade económica do contribuinte” (n.º 3).
Atente-se que a lei, no citado art.º 30.º, n.º 2, da LGT, fala apenas em redução ou extinção. E, a concessão de uma moratória no pagamento, isto é, o pagamento em prestações não traduz obviamente uma redução ou extinção do crédito tributário ou da Segurança Social.
No que respeita ao diferimento das prestações das dívidas à Segurança Social, o Código Contributivo (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial deSegurança Social) prevê um tratamento bem mais favorável, em termos de condicionantes, ao contribuinte/devedor do que o Código de Procedimento e de ProcessoTributário (CPPT) - cfr. art.ºs 189.º, 190.º e 203.º, do Código Contributivo e art.ºs 196.º, 197.º 198.º e 199.º, do CPPT.
Além disso, as condições de autorização do pagamento em prestações das dívidas da Segurança Social pressupõem que “sejam indispensáveis para a viabilidade económica deste e desde que o contribuinte se encontre numa das situações, previstas na al. a) do n.º 2 do citado art.º 190.º do Cód. Contributivo.
Logo, conforme o próprio Código Contributivo prevê, uma das situações em que se justifica um diferimento das prestações devidas à Segurança Social é precisamente o da pendência de processo de revitalização sobre o devedor e estando em causa a necessidade de viabilidade económica do mesmo, como sucede in casu.
Mas, o plano prevê, por outro lado, a redução do crédito do ISS, IP, no tocante aos usualmente designados juros moratórios/indemnizatórios.
Ora, nos termos do art.º 30.º, n.º 1 da LGT, o direito a juros - compensatórios e indemnizatórios - integra a relação jurídica tributária, sendo, deste modo, um dos elementos da “dívida tributária”.
Ao perdoar-se, no âmbito do plano de recuperação aprovado, 80% dos juros vencidos, em rigor, está-se a reduzir o crédito tributário (cfr. art.º 30.º, n.º 2, da LGT).
Com a entrada em vigor da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, (Lei do Orçamento de Estado para 2011), os créditos fiscais deixaram de poder ser afectados pelo plano deinsolvência, pois foi acrescentado um n.º 3 àquele art.º 30.º, com o seguinte conteúdo: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.
Deste modo, se o legislador estendeu expressamente a aplicabilidade aos processos de insolvência do princípio geral vertido no art.º 30.º, n.º 2 da LGT de que o crédito tributário é indisponível, só podendo ser reduzido ou extinto com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, resulta cristalino que foi vontade do legislador fazer prevalecer regime geral da LGT sobre o regime especial do CIRE (aplicável aos demais credores, com as limitações acima mencionadas).
Deixou assim, por vontade dos credores, de ser possível reduzir ou extinguir créditos fiscais ou da Segurança Social – visto que os créditos da Segurança Social, independentemente da sua qualificação jurídica, “não há dúvida que são contribuições impostas coactivamente por lei, com a finalidade de financiar o direito à Segurança Social, que constitui um direito constitucional”, constituindo pois “uma espécie do género «tributo»”, caindo no âmbito do n.º 2, parte final, do art.º 3.º da LGT – cfr. Ac. RC de 17.01.2012, (Relator, Alberto Ruço), acessível in www.dgsi.pt.
Resulta, assim evidente que créditos fiscais/ou da Segurança Social não podem ser perturbados senão mediante a vontade do Estado, manifestada através dos seus legítimos representantes. Considerando que as normas de direito tributário têm carácter público e imperativo, vigorando, nesta sede, os princípios da indisponibilidade e da irrenunciabilidade, é ao Estado que compete, de forma soberana, criar e regular a forma de pagamento dos impostos, não podendo os particulares decidir quando, onde e de que forma efectuar tal pagamento. – Neste sentido, cfr. entre muitos outros, os Acórdãos da RC de 20.10.2011, de 28.05.2013 e de 24.09.2013 proferidos nosprocessos 588/08.8TBFND-D.C1, 249/12.3TBGRD-J.C1 e 36/13.1TBNLS.C1, desta Relação de 28.06.2013 e de 10.07.2013 proferidos nos processos 257/12.4TBMCD-C.P1 e 4944/12.9TBSTS-A.P1 e da RG de 23.04.2013 e de 18.06.2013, proferidos nos processos 2848/12.4TBGMR.G1 e 4021/12.2TBGMR.G1, acessíveis in www.dgsi.pt.
No caso, não se observou o disposto no art.º 215.º do CIRE - no sentido de que o tribunal como guardião da legalidade cabe-lhe sindicar o cumprimento e aplicação das normas relativas ao procedimento de elaboração e aprovação da proposta de plano de revitalização - não pode admitir-se a validade da homologação do plano derecuperação [contra a qual se manifesta o Instituto da Segurança Social, I.P., acrescendo que a decisão do juiz vincula os credores mesmo que não hajam participado nas negociações (art.º 17.º -F n.º 6 do CIRE)] decidida por sentença datada de 01.10.10.2013, ao abrigo do disposto no art.º 214.º do mesmo diploma.
Donde, mostrando-se que, no âmbito do Processo Especial de Revitalização, não é legalmente possível, contra vontade do Estado/ Segurança Social, reduzir ou extinguir créditos tributários e/ou conceder moratória, se deve concluir que o Plano de Recuperação aprovado pelos credores viola claramente o princípio da legalidade, o que configura nulidade claramente justificadora de recusa de homologação do plano aprovado, redundando assim numa “infracção de normas legais imperativas representativa de violação não negligenciável das regras aplicáveis ao seu conteúdo” (art.º 215º, n.º 1, do CIRE).
E, com tais premissas, relevantes no processo de revitalização por remissão do n.º 5 do art.º 17º- F, do CIRE, não podia o Tribunal recorrido ter homologado o plano proposto, como efectivamente o fez.
Ora, a inclusão, num tal Plano, de componentes inadmissíveis por violação das normas legais aplicáveis, afecta-o integralmente, o que obriga à sua não homologação.De forma alguma se pode conceber a sua homologação apenas parcial, isto é, considerar-se que o plano homologado é apenas ineficaz relativamente aos créditos do Instituto da Segurança Social, I.P., não produzindo assim quaisquer efeitos quanto a tal crédito - quando foi o plano, no seu todo que, efectivamente, foi sujeito adeliberação de aprovação maioritária pelos credores - o que, além de não ter cabimento legal, resultaria na inobservância do regime especial deste processo, com ofensa dos reduzidos prazos para a sua tramitação e conclusão, tal como resulta dos art.ºs 17.º-D e 17.º-G do CIRE.
Neste sentido, considera o Acórdão da RG de 23.04.2013, proc. 2848/12.4TBGMR.G1, (Relator, António Santos), acessível in www.dgsi.pt), que: “importa referir que, a violação em sede de plano de revitalização de normas aplicáveis ao respectivo conteúdo, fulmina o mesmo de vício que o atinge in totum, obrigando à sua não homologação (não podendo assim ser parcialmente homologado), por se dever considerar estar ele integralmente inquinado, sendo que, de resto, não existe fundamento legal [antes pelo contrário, considerando v.g. a circunstância de o PER estar sujeito à observância de prazos apertados para a sua tramitação e conclusão, tal como resulta dos artºs 17º-D e 17º-G, ambos do CIRE] que obrigue a que, em tais situações, deva o Juiz proferir decisão que determine o respectivo aperfeiçoamento”.
Conclui-se, assim, dever recusar-se a homologação do plano de recuperação, aprovado pela maioria dos credores, revogando-se, a decisão recorrida.
V
Nesta conformidade, acorda-se nesta Relação em julgar procedente a apelação na medida do supra exposto e, revoga-se a decisão recorrida, recusando-se a homologação do plano de recuperação.
Sem custas.
Porto, 15.05.2014
Teresa Santos
Aristides Rodrigues de Almeida
José Amaral
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