Processo Especial de Revitalização (PER) / Plano de Insolvência / Crédito Fiscal - Acórdão do Tribunal de Relação de Guimarães de 23-04-2013
2848/12.4TBGMR.G1 |
ANTÓNIO SANTOS
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
CRÉDITO FISCAL
RG
23-04-2013
UNANIMIDADE
S
1
APELAÇÃO
IMPROCEDENTE
2ª SECÇÃO CÍVEL
I - Após as alterações legais introduzidas pela Lei 55-A/2010, de 31/12, no artº 30º da LGT, deixou de ser legalmente possível, sem que o Estado ( a Fazenda Nacional) o tenha votado favoravelmente, homologar um plano de insolvência que contemple a redução, extinção ou moratória de créditos fiscais.
II - É que, porque aprovado com o voto contrário da Fazenda Pública, em rigor integra tal plano um conteúdo e/ou providência com incidência no passivo do devedor que implica a violação de preceitos legais imperativos, o que obriga à recusa oficiosa da sua homologação ( cfr. art. 215.º do CIRE).
III - O referido em I e II, aplica-se mutatis mutandis , e em sede de processo especial de revitalização, a plano de recuperação, com idêntico conteúdo, que pelos credores tenha sido aprovado conducente à revitalização de devedor ( cfr. artº 17-F, nº 5, do CIRE ) .


Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
*
1.Relatório.
D.., S.A, na qualidade de devedora , munido de declaração escrita a que alude o artº 17º-C,nº1, do CIRE, comunicou ao Exmº Juiz do Tribunal Judicial de Guimarães e ao abrigo do disposto nos arts. 1º, nº 2 e 17º-C do CIRE, que pretendia dar início às negociações conducentes à sua recuperação no âmbito de Processo especial de revitalização , razão porque impetrava a nomeação , de imediato e por despacho, de administrador judicial provisório.
1.1.- Instruído o processo, nomeado o administrador judicial provisório (nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, do CIRE) e reclamados os créditos , e , bem assim, elaborada a lista provisória de créditos pelo supra indicado administrador judicial, foi finalmente ( após as competentes negociações ) o plano ( junto a fls. 2425 a 2493) de recuperação conducente à revitalização da devedora D.., S.A, sujeito a aprovação, tendo o Administrador Judicial Provisório junto aos autos o documento a que alude o nº 4, do artº 17º-F, do CIRE, com o resultado da votação, indicando ele que o plano havia merecido uma percentagem de 71,56 % votos a favor e , uma outra de 28,44 % de votos contra.
1.2.- Conclusos os autos, proferiu de seguida a Exmª Juiz a quo decisão/despacho de não ( não obstante a expressão percentual indicada em 1.1.), homologação d o plano de recuperação da devedora D.., S.A, aprovado.
1.3. - Posteriormente, já a 8/02/2013, veio a Exmº Juiz titular dos autos a proferir a nova decisão/sentença a que aludem os nºs 1 e 5, do artº 17-F, do CIRE, sendo a mesma do seguinte teor :
“(…)
Fruto do processado posterior a fls. 952, resulta que o plano de insolvência em relação ao qual foi proferido o despacho de recusa de homologação não foi aquele que foi submetido à apreciação e votação dos credores.
Isto foi comunicado em sede de alegações por parte da Requerente, no que foi secundada pela Sra. AI, sendo que, nenhum dos credores notificados do despacho de fls. 1039, deduziram oposição a essa factualidade (muito embora a Fazenda Nacional e o Banco.., SA, tenham reiterado o seu voto contrário à aprovação do plano).
Deste modo, verificando-se que a decisão de fls. 802 a 803 foi proferida na base dum pressuposto erróneo, só supervenientemente conhecido, dou-a sem efeito, o que acarreta a inutilização do recurso intentado.
Notifique.
*
Pelo que, no presente, passa o Tribunal a apreciar o plano que, efectivamente, foi sujeito a deliberação de aprovação maioritária pelos credores( 71,56 % a favor da aprovação; e 28,44 % contra a aprovação – conforme é dado conta a fls. 1428; vd. ainda despacho de fls. 1416 a 1417),
Conforme se consignou a fls. 802 a 803, ao Tribunal compete sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano de insolvência. A homologação, contudo, apenas poderá ser recusada em caso de violação grave não negligenciável das regras procedimentais ou de conteúdo do plano – artigo 215º, ex vi artigo 17º-D/4, do CIRE.
No caso em apreço, verifica-se que a Fazenda Nacional votou contra no pagamento do seu crédito em 150 prestações mensais, a iniciar em 31.08.2013 –cfr. fls. 1330 e 1373.
De acordo com o artigo 30º/2, da Lei Geral Tributária (LGT), o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
Segundo o n.º 3, dessa disposição legal, aditado pela Lei n.º 55-A/2010, de31/12, o disposto no transcrito n.º 2 prevalece sobre qualquer legislação especial.
Preceitua o artigo 125º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, o n.º 3 do artigo 30º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos.
Daqui decorre que os créditos tributários mantêm a sua natureza indisponível mesmo no âmbito da aplicação das regras relativas à insolvência e recuperação de empresas, pelo que a homologação do plano de insolvência sem consentimento da Fazenda Nacional constitui violação não negligenciável das normas imperativas que a estabelecem, atento o vertido no artigo 30º/2, da LGT, na redacção introduzida pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12, e artigo 125º,deste último diploma citado.
Essa indisponibilidade acarreta a impossibilidade de extinção ou redução do crédito tributário sem o consentimento da Administração Fiscal, mas também a concessão de moratória ou fraccionamento do pagamento em prestações - assim, Acórdãos de 14.11.2011 e 13.07.2011, disponíveis em www.dgsi.pt.
É justamente nesta parte que reside a discordância da Administração Tributária, posto que o plano não prevê qualquer extinção parcial ou redução dos débitos fiscais. Com efeito, conforme se alcança de fls. 1330, no plano é previsto o pagamento do capital e dos juros vencidos e vincendos, apenas com a especialidade de os créditos tributários vencidos – capital e juros – serem satisfeitos em 150 prestações e com início em 31.08.2013.
No artigo 196º/6, do Código do Processo e Procedimento Tributário, sob a epígrafe «Pagamento em prestações e outras medidas», prevê que, quando, no âmbito de plano de recuperação económica legalmente previsto, se demonstre a indispensabilidade da medida e, ainda, quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, com a observância das condições previstas na parte final do número anterior (redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12).
Por seu turno, no artigo 36º/3, da LGT, a administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.
Decorre do exposto que a possibilidade de pagamento fraccionado e estabelecimento de prazos diferenciados de pagamento depende de expressa autorização por parte da Administração Fiscal.
Como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de15.11.2012, disponível em www.dgsi.pt, «trata-se, com efeito, de normas imperativas, por só ao Estado competir lançar impostos e proceder à sua cobrança, com observância do princípio da legalidade, não sobrando qualquer espaço para a autonomia privada.»
Consubstanciado, por isso, de normas imperativas, a sua derrogação apenas seria permitida com a expressa autorização por parte do Estado, o que, no caso não se verifica, face à votação contrária da Fazenda Nacional ao plano ( vd. também 2.ª parte do n.º 2 do artigo 192° do CIRE).
Por tudo o que vem de ser exposto, atento o preceituado no artigo 215º, do CIRE, recuso a homologação do plano – art. 17º-F, nº5, do CIRE.
D.N.
G., 08.02.2013 “
1.4.- Notificados sentença indicada em 1.3., a qual recusou a homologação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor e que fora aprovado, e da mesma discordando, dela apelou então a devedora D.., S.A., concluindo a instância recursória nos seguintes termos :
I. A nossa discordância, e daí o presente recurso, prende-se com a recusa da homologação do plano, com fundamento nas disposições conjugadas nos arts. 215º, 17º-F, nº 5 do CIRE, uma vez que a Fazenda Nacional votou contra no pagamento do seu crédito em 150 prestações mensais, a iniciar em 31.08.2013 – cfr. Fls.1330 e 1373.
II. Ora, apenas e só a existência de uma moratória, melhor dizendo, período de carência, no plano implicou a recusa da sua homologação.
III. Sujeito o plano à deliberação do credores foi o mesmo aprovado pela maioria com 71,56% de votos a favor e 28,44% de votos contra, conforme é dado conta a fls.1428,
IV. Estando reunidos os requisitos cumulativos, quer do quórum da reunião, quer do quórum da deliberação, Cfr., Ac. TRP de 09-02-2010, P. 1589/06.6TBMCN-F.P1,R. RODRIGUES PIRE, disponível in: www.djsi.pt, melhor exposto no texto, tendo sido o plano de insolvência aprovado, com respeito pelo estabelecido no art. 212º do CIRE e não tendo a Segurança Social pedido a sua não homologação ao abrigo do preceituado no art.216º, nº 1, al.a) do mesmo diploma, este, uma vez homologado é vinculativo para todos os credores.
V. O próprio preâmbulo do CIRE – Decreto-Lei nº53/2004, de 4 de Março refere que, “ sendo a garantia comum dos créditos o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efectivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado.”
VI. É sempre da estimativa dos credores que deve depender, em última análise, a decisão de recuperar a empresa, e em que termos, nomeadamente quanto à sua manutenção na titularidade do devedor insolvente ou na de outrem.
VII. E, repise-se, essa estimativa será sempre a melhor forma de realização do interesse público de regulação do mercado, mantendo em funcionamento as empresas viáveis e expurgando dele as que o não sejam (ainda que, nesta última hipótese, a inviabilidade possa resultar apenas do facto de os credores não verem interesse na continuação).
VIII. A primazia que efectivamente existe, é a da vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral.
IX. Pois não se vislumbra qualquer problema ao propor que o pagamento comece a vencer-se no mês posterior à aprovação do plano de insolvência, ou seja, de imediato.
X. Quanto ao pagamento desse capital em divida em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas, tal é pacificamente aceite nos processos executivos de natureza fiscal, nos termos do Art. 196º, nº 6 do CPPT, na redacção dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, com entrada em vigor a 01-01-2012.
XI. O crédito da fazenda nacional corresponde apenas a 0,93% dos créditos reconhecidos, não fazendo sentido que tão pequena percentagem de crédito se sobreponha à esmagadora maioria da qual faz parte igualmente o Estado – através da Segurança Social –impondo a não homologação do plano de revitalização.
XII. Esse, sim, seria um entendimento não igualitário, não proporcional e pouco equitativo dos interesses dos credores e satisfação do interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado.
XIII. A aprovação do referido plano constitui, nas circunstâncias actuais, o melhor, se não o único caminho possível para, por um lado, evitar a liquidação da devedora e, por outro lado e em simultâneo potenciar, não só a continuidade, como também a sustentabilidade da sua actividade e, desse modo e por essa via, melhor acautelar a satisfação dos interesses dos credores da recorrente.
XIV. O presente plano não viola normas imperativas, designadamente, a Lei Geral Tributária, nem tão pouco viola o principio da o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no artigo 30º nº 2 da LGT, com desrespeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária.
XV. Como decorre dos arts. 1º e 192º do CIRE, o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência em derrogação das normas do Código.
XVI. A adopção de um plano de insolvência – com essas finalidades – e o respectivo conteúdo está na total disponibilidade dos credores a quem compete – no âmbito de assembleia de credores convocada para esse efeito – deliberar sobre a sua aprovação.
XVII. Na verdade, dispõe o nº 2 do citado artigo 30º que “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
XVIII. Com fundamento nesta norma, uma parte da nossa jurisprudência considerava que não poderia ser homologado o plano de insolvência que envolvesse a redução ou a extinção de créditos tributários - cfr. Acórdão da Relação do Porto de 30/06/2008, com o n.º convencional JTRP00041493, disponível em www.dgsi.pt -, invocando, para o efeito, o carácter público e imperativo da citada norma.
XIX. Todavia, a jurisprudência, francamente maioritária, do STJ decidia em sentido diverso, tendo-se considerado no Acórdão de 13/01/2009, processo 08A3763,disponível em www.dgsi.pt, que “os arts. 30.º, n.º 2, e 36.º, n.º 3, da LGT, e art. 85.º do CPPT, têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, não encontrando apoio no contexto do processo especial como é o processo de insolvência,
XX. Onde o Estado deve intervir também com o fito de contribuir para uma solução, diríamos, de olhos postos na insolvência, se essa for a vontade dos credores, numa perspectiva ampla de auto-regulação de que a desjudicialização do regime consagrado no CIRE é uma das essenciais características.
XXI. E podendo ver-se em idêntico sentido os Acórdãos do STJ de 04/06/2009 e de 02/03/2010, nos processos 464/07.1TBSJM-L.S1 e 4554/08.5TBLRA-F.C1.S1 ,respectivamente, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
XXII. Entretanto, a Lei nº 55-A/2010, de 31/12, veio aditar um nº 3 ao art. 30º da LGT, aí determinando que “o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”, dispondo ainda o art. 125º da citada Lei (em sede de disposições transitórias) que “o disposto no n.º 3 do Artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos”.
XXIII. E, com base nestas alterações, tem sido considerado que, face à indisponibilidade daqueles créditos – aplicável nos processos de insolvência – o plano de insolvência não poderá incluir, sem a concordância do credor, a redução, extinção ou moratória dos créditos fiscais - cfr. Acórdãos da Relação do Porto de 07/07/2011 e 13/07/2011, proferidos nos processos n.º 393/10.1TYVNG.P1 e 134/11.6TBSTS-A.P1, bem como o Acórdão do STJ de 14/06/2012, proferido no processo n.º 506/10.3TBPNF-E.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
XXIV. Contudo, no Acórdão do TRG de 18/10/2011, proferido no processo 5036/10.0TBBRG-J.G1, disponível em www.dgsi.pt , considera-se que a indisponibilidade dos créditos – consagrada na norma citada – não é absoluta, pois que a própria lei tributária admite a possibilidade de extinção ou redução desses créditos, bem como de concessão de moratórias, desde que seja respeitado o princípio da igualdade e da legalidade tributária.
XXV. Admite-se que, ao introduzir as alterações com a Lei nº 55-A/2010, o legislador tivesse o propósito de contornar a corrente jurisprudencial que defendia a inaplicabilidade da norma em questão ao processo de insolvência, pretendendo dizer, por essa via, que o plano de insolvência não poderia incluir – contra a vontade do credor – a extinção ou redução dos créditos tributários.
XXVI. Contudo, mas, se foi essa a intenção no próprio Código de Insolvência e no âmbito das normas que regulam o processo de insolvência não existe uma norma que expressamente o determine.
XXVII. A verdade é que, o que decorre do citado art. 30º,nº 2 (ainda que aplicável aos processos de insolvência) é que o crédito tributário pode ser reduzido ou extinto, desde que seja respeitado o princípio da igualdade e da legalidade tributária.
XXVIII. E, tal inclusão desses créditos nos planos de insolvência(que, nos termos previstos na lei, podem envolver a redução ou extinção dos créditos do insolvente, sem excepcionar os créditos tributários, não desrespeita esses princípios.
XXIX. O princípio da legalidade tributária – com assento constitucional no art. 103º da CRP, onde se dispõe que os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes – significa, no essencial, que o crédito tributário – assim como as suas vicissitudes – terá que encontrar o seu apoio na lei;
XXX. Daí que, ao contrário do que sucede com outros créditos, o crédito tributário não esteja na disponibilidade do seu titular; o crédito tributário nasce ,altera-se e extingue-se em função dos critérios legais previamente definidos e não por vontade do seu titular.
XXXI. E compreende-se que assim seja, já que, atendendo à natureza dos créditos em questão (que, segundo o art.5º da LGT e 103º da CRP visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promovem a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento),
XXXII. Mas, na verdade, não é isso que acontece com a redução ou extinção de créditos em consequência da aprovação e homologação de um plano de insolvência.
XXXIII. De facto, a redução ou extinção de créditos por força de um plano de insolvência não decorre da vontade do seu titular (a administração tributária), mas sim da lei, na medida em que é a lei (no caso, o CIRE) que prevê a possibilidade de o plano incluir a redução ou extinção de créditos (independentemente da vontade dos respectivos titulares), admitindo – porque não exclui – que tais medidas sejam aplicáveis aos créditos tributários.
XXXIV. Daí que, na nossa perspectiva, a redução ou extinção de créditos tributários por força da aprovação e homologação de um plano de insolvência seja consentida pelo art. 30º da LGT, na medida em que tal não envolve qualquer desrespeito pelo princípio da legalidade tributária.
XXXV. E, não existindo qualquer desrespeito pelo princípio da legalidade tributária, também nos parece inexistir qualquer violação do princípio da igualdade.
XXXVI. De facto, o princípio da igualdade pressupõe um tratamento igual para o que é igual e um tratamento desigual para o que é desigual e,
XXXVII. A verdade é que o legislador consagrou um tratamento diferenciado para os insolventes através do regime que instituiu com o Código da Insolvência, impondo, designadamente, aos credores a sua vinculação a um plano de insolvência, ainda que os mesmos não tenham dado o seu acordo para o perdão ou redução dos respectivos créditos que conste desse plano.
XXXVIII. É certo, por isso, que, ao ficar vinculada a um plano de insolvência que inclua o perdão ou redução dos seus créditos, a administração tributária não está a dispor do crédito tributário em violação ao disposto no citado art. 30º, nº 2;
XXXIX. Ao ficar vinculada a esse plano, a administração tributária apenas fica submetida ao regime especial que o legislador impôs à generalidade dos credores sempre que está em causa uma pessoa insolvente, sem que tal importe uma qualquer violação dos princípios da legalidade tributária e da igualdade.
XL. Os créditos dos particulares, apesar de serem disponíveis, estão, obviamente, na exclusiva disponibilidade dos seus titulares.
XLI. Mas, apesar disso, o legislador – atendendo à situação específica do insolvente – impôs aos credores a vinculação a um plano de insolvência que inclua o perdão ou redução desses créditos, ainda que os mesmos não tenham dado o seu acordo para o efeito.
XLII. Impondo-se esse regime de excepção para os particulares, não se justificaria que o Estado se colocasse à parte, abstendo-se de contribuir para a prossecução dos fins que visou atingir com o processo de insolvência, mantendo intocáveis os seus créditos e impondo aos demais credores todo o esforço de recuperação do insolvente.
XLIII. Tendo criado um regime específico para o devedor em situação de insolvência, é evidente que o legislador entendeu que, dada a situação em que se encontra, o devedor insolvente deve merecer um tratamento diferenciado relativamente ao devedor não insolvente; assim, o perdão ou redução dos créditos tributários ao abrigo de um plano de insolvência validamente aprovado em conformidade com as normas instituídas pelo legislador não viola os princípios da igualdade e da legalidade tributária e, como tal, não é vedado pelo disposto no art. 30º, nº 2, da LGT.
XLIV. Nada obstava, por isso, à homologação do plano de insolvência que incluísse a redução ou extinção de créditos tributários.
XLV. Além do mais, afigura-se-nos que, no caso sub júdice, o plano de insolvência não envolve, em rigor, qualquer redução ou extinção dos créditos da Fazenda Nacional.
XLVI. Aliás, sempre se poderá dizer, que face à natureza destes créditos tributários, nunca o Instituto da Fazenda nacional, sairia prejudicada pois poderia sempre munir-se do Instituto da Reversão Fiscal contra os administradores, para recuperar o seu crédito, nos termos do art. 23º da LGT.
XLVII. Para além, de estar previsto no plano no ponto de recuperação 4.3. uma cláusula de Salvo Regresso de Melhor Fortuna, tal significa que no termo da execução do plano de pagamentos que vier a ser aprovado e caso se verifique excedente entre o cash flow acumulado e a totalidade da prestação paga aos credores.
XLVIII. Assim, tal como, doutamente, decidido nos Acórdãos : Ac. TRG de 24-07-2012, P. 374/11.8TBPVL-E.G2, MARIA CATARINA GONÇALVES, disponível in : www.djsi.pt : “ O art. 30º da LGT – não obstante as alterações introduzidas pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12 – não obsta à homologação do plano de insolvência que inclua a redução, alteração ou extinção de créditos tributários.” Assim como no Ac. TRG de 18-10-2011, P. 5036/10.0TBBRG-J.G1, MARIA CATARINA GONÇALVES, disponível in: www.djsi.pt;
XLIX. E ainda no Ac. TRC de 06-09-2011, P.400/10.8TBMGR.C1, FALCÃO DE MAGALHÃES, disponível in: www.djsi.pt, acrescenta ainda que: “I –No âmbito de processo de insolvência, a existência de normas tributárias que a isso obstassem no plano da relação Estado-empresa contribuinte, não impede, “per se”, mesmo que com o voto contrário da Fazenda Nacional, a aprovação de um plano que, visando a manutenção em actividade da empresa e a satisfação do passivo com pagamentos aos credores à custa dos respectivos rendimentos, preveja o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juros dos créditos, sejam estes créditos comuns, garantidos ou privilegiados.”
L. Tendo sido a recusa do homologação do plano única e simplesmente a dever-se dada a natureza imperativa dos créditos da Fazenda Nacional, único vício existente no plano de revitalização apresentado.
LI. Não se vislumbra que não possa ser sanada através da repetição dos actos que deram origem a essa recusa,
LII. Cujo conteúdo plano possa ser rectificado na parte que implicou a sua recusa, sendo sujeito a nova votação dos credores só se homologando o dito plano quando estiver garantido o cumprimento da norma prevista no art. 30º da LGT de modo a expurgar as enfermidades que deram origem à recusa da homologação do plano (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de31.01.2013, Proc. Nº 5036/10.0TBBRG-M.G1.
Pelo que,
LIII. E porque o Douto Despacho recorrido fez uma errada e má aplicação da LEI, mais concretamente, do disposto nos arts. 192º, 215º, ex vi 17º-D do CIRE e do artigo 30º nº 2 e 125º ambos da LGT.
Pelo exposto,
I. Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, a douta decisão ser revogada e verificar-se a homologação do plano de revitalização.
II. Caso assim se entenda, em alternativa, deve:
A) Deve o plano de Recuperação apresentado pela Devedora ser alterado no ponto referente ao período de carência de pagamento à Fazenda Nacional, que deverá ser fixado em trinta dias após a homologação do referido plano;
B) Ou deverá ser revogado o despacho de recusa da homologação do plano de recuperação, substituindo por uma sentença homologatória do plano de recuperação, ineficaz apenas no que concerne aos créditos da Fazenda Nacional.
C) Ou, ainda, deverá ser revogado a deverá ser revogado o despacho de recusa da homologação do plano de recuperação, substituindo por uma decisão, que determine que o tribunal apelado providencie pela aperfeiçoamento do plano na parte que implicou a sua recusa, sendo sujeito a nova votação dos credores só se homologando o dito plano quando estiver garantido o cumprimento do art. 30º da LGT.
Pelo exposto,
E pelo mais que mui doutamente será suprido, concedendo-se provimento ao recurso será feita uma correcta aplicação da Lei e a mais elementar JUSTIÇA.
1.5.- Em sede de contra-alegações, e com referência à apelação interposta por D.., S.A., veio o MP e o B.., S.A., a concluir que a douta sentença recorrida que não homologou o Plano de Recuperação aprovado nos autos não merece qualquer censura, ao contrário do alegado pela Recorrente, razão porque deve assim manter-se.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
Objecto da apelação
Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] da alegação do recorrente e abrangendo apenas as questões aí contidas (art°s 684 nºs 2 e 3, e 685-A, nº 1, ambos do CPC), verifica-se que a questão a decidir é tão só a seguinte :
a) Aferir se o tribunal a quo incorreu em error in judicando ao proferir decisão de não homologação do plano de recuperação da devedora.
***
2.Motivação de Facto.
Do processado nos autos de onde emerge a apelação sob sindicância, resulta, designadamente, o seguinte Iter processual relevante para a decisão recursória :
2.1.- D.., S.A., em Julho de 2012, deu inicio, no Tribunal Judicial de Guimarães, a processo especial de revitalização (PER), comunicando, ao abrigo do disposto nos arts. 1º, nº2 e 17º-C do CIRE ( com as alterações introduzidas pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril), a sua pretensão de iniciar negociações com os seus credores e requerendo a nomeação de administrador judicial provisório;
2.2.- Instruído o processo, foi proferido pela Exmª Juiz titular despacho que, para além do mais, nomeou administrador judicial provisório (M..), por decisão de 20/7/2012 ;
2.3.- Reclamados os créditos e elaborada a lista provisória de créditos, foi a mesma apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius;
2.4.- Em 21 de Novembro de 2012, foi junto aos autos o plano de recuperação de D.., S.A.;
2.5.- Do plano indicado em 2.4. consta, além do mais, e no tocante às Condições dos Pagamentos dos Créditos da Fazenda Nacional, o seguinte plano de pagamento:
“(…)
3.3. Créditos da Autoridade Aduaneira
3.3.1. Os créditos da Fazenda Nacional, de natureza comum e privilegiada (capital e juros vencidos) serão liquidados em 150 prestações mensais iguais e postecipadas, a iniciar em 31 de Agosto de 2013;
3.3.2. Propõe-se o pagamento de juros vincendos à taxa de 4%/ano.
3.3.3. A título de garantia propõe-se a constituição de penhor mercantil sobre o seguinte bem do imobilizado corpóreo:
3.3.3.1. Sistema Comp. de Separador Empilhar tábuas, adquirida em 2003, em regime de locação financeira, conforme contrato de Locação Financeira nº. 200307455 celebrado com o B.., S.A, no montante de 107.500 euros (contrato de locação financeira em anexo).
Todos os créditos que vierem a ser constituídos no âmbito da fiscalização da Fazenda Nacional e Segurança Social, relativos aos exercícios económicos de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, ficam sujeitos às condições constantes no presente plano.”
2.6.- O plano indicado em 2.4., em sede de votação por escrito, veio a obter os seguintes resultados: Votantes: 97,16 %; Votos a Favor: 71,56 % ; Votos Contra: 28,44 %.
2.7.- A Fazenda Nacional comunicou ao MP não aprovar o plano indicado em 2.4., dizendo estar em desacordo no tocante à possibilidade nele prevista do pagamento fraccionado do seu crédito em 150 prestações mensais, a iniciar em 31.08.2013 ;
2.8.- A 8/2/2013, a Exmª Juiz titular dos autos proferiu decisão que, ao abrigo do disposto nos artigos 17º-F, n.º 5 e 214º, do CIRE, não homologou, por sentença, o plano de revitalização indicado em 2.4. ;
2.9.- A 18/1/2013, o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, veio dizer – em conformidade com a comunicação referida em 2.7. - que não votava favoravelmente o plano indicado em 2.4.;
*
3 - Motivação de Direito
No âmbito da presente apelação, e mais uma vez, volta este Tribunal da Relação a ter de pronunciar-se (1) sobre questão que voltou - após a Lei nº 55-A/2010, de 31/12, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2011 - a integrar uma vexata quaestio, qual seja a de saber se “obrigado” está o Juiz titular de processo especial de revitalização (2) a recusar a homologação [ nos termos do artº 215º, do CIRE, ex vi do artº 17-F, nº 5º,do mesmo diploma legal ] de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor e que pelos credores tenha sido aprovado [ porque merecido ele a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212.º ], e com base na circunstância de prever ele - o plano - e contra a aprovação da Fazenda Nacional enquanto credora, a concessão de uma moratória de em sede de liquidação de dividas fiscais do devedor que se encontra em situação económica difícil.
É que, recorda-se, para o tribunal a quo, tendo a Fazenda Nacional votado contra a aprovação do plano na parte em que previa ele “ o pagamento do seu crédito em 150 prestações mensais, a iniciar em 31.08.2013 “, e considerando o disposto no artigo 30º, nºs 2 e 3, da Lei Geral Tributária (LGT), forçoso é concluir que os créditos tributários mantêm a sua natureza indisponível mesmo no âmbito da aplicação das regras relativas à insolvência e recuperação de empresas, razão porque a homologação do plano sem consentimento da Fazenda Nacional constitui violação não negligenciável de normas imperativas aplicáveis ao respectivo conteúdo, o que obriga, atento o preceituado no artigo 215º, do CIRE, à recusa da homologação do plano.
Ora bem.
É inquestionável que, aquando da aprovação da Lei nº 55-A/2010, de 31.12, já a jurisprudência vinha alinhando praticamente a uma só voz – maxime a do STJ (3) – pelo entendimento de que não obstava à homologação judicial de plano de insolvência o facto de prever ele a redução ou perdão de dividas do Estado, de natureza fiscal, ou o diferimento do seu pagamento em prestações, e isto mesmo sem o acordo da administração fiscal.
É que, era à data praticamente pacífico o entendimento de que os arts. 30.º, n.º 2, e 36.º, n.º 3, da LGT, e art. 85.º do CPPT, tinham o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, não encontrando apoio no contexto do processo especial como o é o processo de insolvência, processo onde de resto o Estado deve intervir com o fito de contribuir para uma solução, razão porque em última análise e tendo em conta o disposto nos artºs 192º, 194º e 196º do CIRE , e dado o princípio da especialidade das normas do CIRE relativamente aos regimes das dívidas fiscais e parafiscais, não existia fundamento legal para recusar a homologação do Plano de Insolvência aprovado contra a vontade do credor Estado.
Sucede que, com a Lei nº 55-A/2010, de 31.12 ( Lei de orçamento de Estado para 2011), e com a alteração que introduziu ela na Lei Geral Tributária ( aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro), maxime no respectivo artº 30.º (4) e ao qual foi acrescentado um nº 3, e dispondo o seu Artigo 125.º [ com a epígrafe de “ Disposições transitórias no âmbito da LGT“ ] que “O disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos, voltou a jurisprudência a dividir-se.
É assim que, se neste Tribunal da Relação de Guimarães, como se alcança dos arestos citados na nota 1, lícito é dizer-se que não se inclina ainda a jurisprudência, de uma forma maioritária para qualquer um dos entendimentos em confronto, já porém no conjunto dos demais tribunais de segunda instância permitido é concluir-se que após a Lei nº 55-A/2010, de 31.12, o entendimento maioritário que passou a vingar é aquele que alinha com a “interpretação” de que com a nova redacção do art.º 30.º da Lei Geral Tributária, voltou a ficar claro que a extinção ou redução dos créditos fiscais não podem ser alcançados contra a vontade do Estado, posição esta que de resto o nosso mais alto Tribunal (STJ) passou a sufragar unanimemente (5).
De resto, e no tocante à mudança de “trajectória” do STJ, sublinha-se que tal ocorreu inclusive com ilustres Juízes Conselheiros Relatores que, em momento anterior, haviam inclusive subscrito entendimento totalmente diverso, o que se alcança designadamente no tocante ao Exmº Relator dos Acs do STJ de 4/6/2009 Processo 464/07.1 TBSJM-L e de 10/5/2012, Proc. nº 368/10.0TBPVL-D.G1.S1, sendo que este último e douto Aresto incidiu precisamente sobre a decisão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 4/10/2011 , confirmando-a.
Feito este pequeno intróito, importa de seguida atentar o que nos dizem algumas das disposições legais tributárias com interesse para a matéria ora em apreço.
Ora, para além do artº 30º da LGT já referido, diz-nos também o seu Artigo 36.º, inserido no Capitulo III atinente à regulamentação da constituição e alteração da relação jurídica tributária, que (nº 1) “A relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário” e , (nºs 2 e 3 ) “Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes”, não podendo a administração tributária “(…) conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”.
Incidindo agora a nossa atenção sobre o Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT- DL nº 433/99, de 26/10 ), diz-nos o respectivo artigo 85º, nos seus nºs 1 e 3, que os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias, sendo que a concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária [ o pagamento em prestações ,consubstanciando uma moratória, apenas pode portanto ser autorizado nos casos previstos na lei, integrando portanto um regime excepcional ] .
Depois, já no artº 196º do mesmo diploma legal [ com a Redacção da Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro (6) ], estabelecendo-se nos seus diversos nºs ( 12 no total ) quais os termos/condições em que podem as dívidas tributárias serem pagas em prestações, diz-nos o respectivo nº 6 que, quando no âmbito de plano de recuperação económica legalmente previsto, se demonstre a indispensabilidade da medida e, ainda, quando os riscos inerentes à recuperação dos créditos o tornem recomendável, a administração tributária pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, sendo que, logo acrescenta de seguida o nº 7, “A importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento, os quais serão incluídos na guia passada pelo funcionário para pagamento conjuntamente com a prestação”.
Finalmente, ainda em sede do CPPT, reza o respectivo artº Artigo 199º que , (nº1) “ Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente“, podendo (nº2) a garantia idónea consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, “(…) em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações (Redacção da Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro).
Aqui chegados e perante as acabadas de apontar disposições legais tributárias, as quais inquestionavelmente têm carácter público e imperativo, daí que não possam pelas “partes” ser afastadas, e considerando que - como vimos já - do nº 2, do artº 30º, da LGT, o crédito tributário, sendo indisponível, só pode reduzir-se ou extinguir-se com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária [ o que equivale a dizer que exigível é que tais operações se mostrem escudadas em disposições legais específicas/expressas, devendo ainda serem processadas nos termos igualmente previstos na lei (7) ] , logo acrescentado o nº3, do mesmo preceito legal, que “o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”, tudo obriga a concluir ( cfr. o decidido no Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, já referido, de 4/10/2011) que com a adição desta última disposição legal mais não visou o legislador do que afastar, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de que o regime especial do C.I.R.E. derroga o regime geral da LGT.
Este último entendimento, a nosso ver, é aquele que melhor se coaduna com uma adequada interpretação da Lei, maxime porque efectuada em obediência ao disposto nos nºs 1 e 3, do artº 9º, do CC, correspondendo ele, em rigor, à voluntas legis (8), e tal como esta última se mostra ainda expressamente objectivada no artº 125º da Lei nº 55-A/2010, de 31.12 [ interpretação que, além de corresponder àquilo que o legislador quis - considerando v.g. o entendimento jurisprudencial praticamente unânime que à data vinha vingando, como que pretendendo o Estado, por via legislativa, alterar o status quo -, mostra-se outrossim objectivada na própria lei ].
De resto, não será certamente por mero acaso que, no âmbito do MEMORANDO DE ENTENDIMENTO SOBRE AS CONDICIONALIDADES DE POLÍTICA ECONÓMICA subscrito por Portugal a 17 de Maio de 2011 ( com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional), no respectivo item 2.19 [ inserido em capítulo direccionado para o Enquadramento legal da reestruturação de dívidas de empresas e de particulares ] , tenha ficado acordado que “As autoridades (9) tomarão também as medidas necessárias para autorizar a administração fiscal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos, nos casos em que outros credores também aceitem a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributária com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dívidas, medidas porém, que , é verdade, persistem ainda por implementar in totum .
Não se olvida que, em última análise, enquanto se mantiver em vigor o nº 3 do artigo 30º da Lei Geral Tributária, ilusório será admitir que o processo especial de revitalização [ nascido no âmbito do programa revitalizar criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 3 de Fevereiro, e tendo como desiderato essencial afirmar-se como uma solução de reestruturação empresarial - ou seja, contribuir para a revitalização de empresas economicamente viáveis mas que se encontrem, pelas mais diversas razões, em situação difícil - , não devendo ser encarado como mais um expediente que veio fazer parte do “problema”, ao invés deve antes ser encarado como um efectivo meio que vem acrescentar algo de novo para a “solução”, maxime para a viabilização e/ou recuperação do devedor ] venha a cumprir o seu papel, e a apresentar evidentes resultados. (10)
Sucede que, como bem se salienta no já indicado Ac. do STJ de 10/5/2012, não podem os tribunais deixar de cumprir tal comando legal, “(…) posto que nos termos do art. 3.º da Lei n.º 52/2008, de 28-08 (LOFTJ) incumbe-lhes assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, sendo certo que, nos termos do art. 8.º, n.º 2, do CC o tribunal está vinculado ao dever de obediência à lei, não podendo tal dever ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.”
Ou seja, dito de uma outra forma, enquanto aplicador da lei ao caso concreto, obrigado está o Juiz a obedecer e a fazer cumprir a lei, estando-lhe de todo vedado “revogá-la” a pretexto de atingir um ideal subjectivo de justiça, o que tudo compromete seriamente a essência do Poder Judicial e que é a garantia, a certeza e a segurança dos cidadãos perante o Judiciário. (11)
E, sendo assim como se julga que deve ser e porque a lei o impõe ( dura lex, sed lex), e , ademais, porque o plano de recuperação aprovado prevê o pagamento em prestações de crédito tributário e sem que tenha ele – o plano – merecido o voto favorável da Fazenda Nacional, tal obriga por si só a concluir que o respectivo conteúdo integra a violação não negligenciável de normas respeitantes ao referido crédito, o que obriga à prolação de sentença de recusa da sua homologação ( cfr. artº 215º, do CIRE).
Acresce que, e em rigor, prevê ainda o plano a redução do crédito tributário do Estado, designadamente no tocante aos usualmente designados de juros moratórios/indemnizatórios (12) [ não tendo a Fazenda Nacional votado favoravelmente o plano acordado, não podem ad fortiori os juros vincendos identificados no item 2.5. do presente Ac. serem caracterizados como compensatórios e pretensamente devidos pelo diferimento concedido no pagamento do crédito tributário em prestações (13) ], pois que, mostrando-se a respectiva taxa fixada legalmente [ cfr. Artº 44º, nºs 1 e 2, da LGT e Aviso n.º 17289/2012, in Diário da República, 2.ª série - N.º 251 - 28 de Dezembro de 2012 (14) ] em 6,112 %, mostram-se eles reduzidos - no plano - a uma taxa de 4%/ano. ( equivalente à taxa dos juros legais/civis, decorrente do disposto no artº 559º, do CC e Portaria nº 291/03, de 08/04 ).
Ora, considerando que, como vimos já, nos termos do artº 30º, nº1, da LGT, o direito a juros compensatórios e indemnizatórios integram outrossim a relação jurídica tributária, impõe-se portanto (15) considerar que os juros de mora constituem também um dos elementos que integram a “dívida tributária”, razão porque, ao reduzir-se no âmbito de plano de revitalização aprovado o valor da respectiva taxa aplicável, em rigor está-se a fortiori a reduzir o crédito tributário ( cfr. artº 30º, nº2, da LGT ).
Por último, importa referir que, a violação em sede de plano de revitalização de normas aplicáveis ao respectivo conteúdo, fulmina o mesmo de vício que o atinge in totum , obrigando à sua não homologação ( não podendo assim ser parcialmente homologado), por se dever considerar estar ele integralmente inquinado, sendo que, de resto, não existe fundamento legal [ antes pelo contrário, considerando v.g. a circunstância de o PER estar sujeito à observância de prazos apertados para a sua tramitação e conclusão, tal como resulta dos artºs 17º-D e 17º-G, ambos do CIRE ] que obrigue a que, em tais situações, deva o Juiz proferir decisão que determine o respectivo aperfeiçoamento. (16)
Em conclusão, em face de tudo o supra exposto, bem andou portanto o tribunal a quo em não enveredar pela homologação do plano de insolvência, razão porque se impõe assim julgar a apelação como improcedente.
*
4.- Sumariando ( cfr. artº 713º, nº7, do CPC):
I - Após as alterações legais introduzidas pela Lei 55-A/2010, de 31/12, no artº 30º da LGT, deixou de ser legalmente possível, sem que o Estado ( a Fazenda Nacional) o tenha votado favoravelmente, homologar um plano de insolvência que contemple a redução, extinção ou moratória de créditos fiscais.
II - É que, porque aprovado com o voto contrário da Fazenda Pública, em rigor integra tal plano um conteúdo e/ou providência com incidência no passivo do devedor que implica a violação de preceitos legais imperativos, o que obriga à recusa oficiosa da sua homologação ( cfr. art. 215.º do CIRE).
III - O referido em I e II, aplica-se mutatis mutandis , e em sede de processo especial de revitalização, a plano de recuperação, com idêntico conteúdo, que pelos credores tenha sido aprovado conducente à revitalização de devedor ( cfr. artº 17-F, nº 5, do CIRE ) .
***
5.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , na sequência do não provimento da apelação interposta por D.., S.A.:
5.1.- Manter a sentença recorrida proferida em sede de processo especial de revitalização e que decidiu não homologar o plano de recuperação da apelante D.., S.A.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
***
(1) O que já fez v.g. nos Acórdãos de 4/10/2011, 18/10/2011, 20/10/2011, 27/10/2011, 27/2/2012 , 6/3/2012, 10/4/2012, 24/7/2012 e 17/1/2013 , defendendo os Arestos sublinhados que a alteração efectuada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, ao art.º 30.º da LGT, e em face do disposto no art.º 125.º da primeira lei , tudo obriga a concluir que não basta a simples vontade qualificada dos credores para reduzir, extinguir ou protelar no tempo o pagamento, em plano de insolvência, de créditos tributários , sendo legalmente exigido o acordo destas entidades públicas, pela via que acima referimos..
(2) Cumpre salientar que a Lei n.º 16/2012,de 20 de Abril e que procede à sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), veio simplificar formalidades e procedimentos e instituir o processo especial de revitalização.
(3) Cfr. v.g os Acs. do STJ de 13/1/2009, 4/6/2009 e de 2/3/2010, todos disponíveis in http://www.dgsi.pt.
(4) Passou a ter ele a seguinte redacção:
“Artigo 30º
Objecto da relação jurídica tributária
1 - Integram a relação jurídica tributária:
(…)
d) O direito a juros compensatórios;
e) O direito a juros indemnizatórios.
2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.”
(5) Cfr. se depreende dos Ac.s do STJ de 15/12/2011, 10/5/2012 e 14/6/2012, todos eles disponíveis in http://www.dgsi.pt, e de 31-05-2012 , tendo este último sido proferido no âmbito da Revista n.º 5036/10.0TBBRG-J.G1.S1 - 7.ª Secção, sendo Relator o Exmº Conselheiro Távora Victor, e estando acessível nos Sumários – do Gabinete de Juízes Assessores do Supremo Tribunal de Justiça Assessoria Cível - de Acórdãos de 2005 a Julho de 2012 ) .
(6) Sendo que é o artº. 42, nº.1, da L.G.T., que prevê a possibilidade do contribuinte requerer o pagamento da dívida tributária em prestações, caso não a possa cumprir integralmente e de uma só vez, cabendo por sua vez ao artº 86, do C.P.P.T., a estatuição da possibilidade de o pagamento em prestações ser requerido antes da instauração da execução fiscal.
(7) Cfr. Nuno Sá Gomes, in Manual de Direito Fiscal, Vol. II, págs.62 e segs..
(8) Cfr. Francesco Ferrara, in interpretação e aplicação das leis, Colecção Stvdivm, 4ª Edição, 1987, pág. 134.
(9) Ou seja, o Estado Português, e para que a concessão da assistência financeira da União Europeia a Portugal seja disponibilizada.
(10) O PER foi enxertado no CIRE, o que decorreu das alterações nele introduzidas pela Lei n.º 16/2012,de 20 de Abril, diploma este que, procedendo à sexta alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, alterado pelos Decretos-Leis nºs 200/2004, de 18 de Agosto, 76-A/2006, de 29 de Março, 282/2007, de 7 de Agosto, 116/2008, de 4 de Julho, e 185/2009, de 12 de Agosto, veio simplificar formalidades e procedimentos, e instituir o processo especial de revitalização.
(11) A propósito da mesma questão, diz-se no Ac. do STJ de 15/12/2011, que “A opção legislativa assim tomada pelo legislador - o poder legislativo do Estado é indivisível e só assume as preferências valorativas que expressa, formal e legalmente consigna - tem em vista o plano financeiro estratégico que no orçamento prevê para o ano de 2011; e neste político circunstancialismo não tem o Julgador que se imiscuir”.
(12) Cfr. F. Correia das Neves, in Manual dos Juros, 1989, Almedina, Coimbra, págs. 28 e segs.
(13) Recorda-se que, nos termos do nº 7 ( Renumeração dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), do artº 196º do CPPT, “A importância a dividir em prestações não compreende os juros de mora, que continuam a vencer-se em relação à dívida exequenda incluída em cada prestação e até integral pagamento, os quais serão incluídos na guia passada pelo funcionário para pagamento conjuntamente com a prestação “
(14) O Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março , alterado pelo Decreto -Lei n.º 201/99, de 9 de Junho, pela Lei n.º 3 -B/2010, de 28 de Abril, e pelo Artigo 150.º, da Lei n.º 55-A/2010, passou a dispor, no respectivo artº 3.º, nº1, que “A taxa de juros de mora tem vigência anual com início em 1 de Janeiro de cada ano, sendo apurada e publicitada pelo Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público (IGCP,I.P.), através de aviso a publicar no Diário da República, até ao dia 31 de Dezembro do ano anterior, não se contabilizando, no cálculo dos mesmos juros, os dias incluídos no mês de calendário em que se fizer o pagamento.”
(15) Cfr. Ac. do STA, de 30/5/2012, in http://www.dgsi.pt.
(16) Cfr. v.g. o decidido pelo STJ, no seu Acórdão de 31-05-2012, Revista n.º 5036/10.0TBBRG-J.G1.S1 - 7.ª Secção .
***
Guimarães, 23/04/2013
António Manuel Fernandes dos Santos
(#)António Manuel Figueiredo de Almeida
(*) Ana Cristina Oliveira Duarte ( 2º Adjunto)
(#) Com a declaração de que no âmbito do presente Acórdão foi revista e alterada a posição assumida, como Relator, na Apelação nº 631/11.3TBBCL-C.G12261/11.0TBBRG-E.G1, Acórdão de 6/3/2012.
(*) Com a declaração de que no âmbito do presente Acórdão foi revista e alterada a posição assumida, como Relator/a, na Apelação nº 2261/11.0TBBRG-E.G1, Acórdão de 10/4/2012.
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