Plano de Insolvência - Acórdão do TRG de 23-04-2013

1473/11.1TBFLG.G1

PAULO BARRETO


CIRE

PLANO DE INSOLVÊNCIA
HOMOLOGAÇÃO
CRÉDITO FISCAL

RG
23-04-2013
UNANIMIDADE
S
1
APELAÇÃO
PROCEDENTE
2ª SECÇÃO CÍVEL


I - Em face do n.º 3, do art.º 30.º, da LGT, as normas do CIRE não podem prevalecer sobre as normas imperativas que regulam os créditos fiscais.

II – O plano de insolvência, aprovado com o voto contrário da Fazenda Nacional, que inclui redução dos créditos fiscais (perdão da totalidade dos juros vencidos e vincendos e de 90% do capital), bem como uma moratória de 4 anos, é manifestamente violador das normas imperativas plasmadas nos n.ºs 2 do art.º 30.º, e 3.º do art.º 36.º, ambos da LGT.



Acordam na Secção Cível (2.ª) do Tribunal da Relação de Guimarães:




I – Relatório

No âmbito do processo de insolvência de N…, SA, foi homologado plano de insolvência aprovado por 95,96 % do total dos créditos, embora com o voto contrário da Fazenda Nacional, representada pelo Ministério Público.
Não se conformando com a homologação do plano de insolvência, dela recorreu o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, oferecendo as seguintes conclusões:
“ 1- O plano de insolvência aprovado sem o consentimento da Fazenda Nacional, ao incluir a redução dos créditos fiscais na exacta medida que prevê o perdão da totalidade dos juros vencidos e vincendos e de 90% do capital, viola normas legais imperativas e, por conseguinte, é nulo. 
2- Os créditos tributários são indisponíveis, mesmo em processos de insolvência, pelo que não poderia ser homologado um plano de insolvência em que estivesse incluído um perdão ou qualquer redução de um crédito tributário — cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 14-6-2012, rel. Oliveira Vasconcelos, disponível em www.dgsi.pt. 
3- Impunha-se ao juiz a recusa oficiosa de homologação do plano de insolvência aprovado, uma vez que o mesmo importa a infracção de normas legais imperativas representativa de violação não negligenciável das regras aplicáveis ao seu conteúdo. 
4- Ao ter sido homologado o plano de insolvência foram violados os arts. 30º, n° 2 e 36°, nº3, da LGT; 192°, nº2 e 215° do CIRE”.
Não foram oferecidas contra alegações.
*
II – Fundamentação
O objecto do recurso afere-se do conteúdo das conclusões de alegação formuladas pela recorrente (artigos 684.º, n.º 3 e 685.º - A do Código de Processo Civil).
Isso significa que a sua apreciação deve centrar-se na questão de direito nele sintetizada e que, in casu, cinge-se à pretendida não homologação do plano de insolvência com fundamento no artigo 215.º, do CIRE.
*
Decidindo, cumpre aqui reproduzir o disposto nos números 2 e 3 do art.º 30.º, da Lei Geral Tributária: 
- n.º 2: O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária;
- n.º 3: O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.
E ainda o n.º 3, do art.º 36.º, do mesmo diploma legal: A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.
Fica assim claro, em face do citado n.º 3, do art.º 30.º, da LGT, que as normas do CIRE não podem prevalecer sobre as normas imperativas que regulam os créditos fiscais.
O regime do CIRE, com as suas especificidades, terá sempre de considerar as normas imperativas suscetíveis de aplicação, as quais não podem ser derrogadas, nomeadamente no âmbito do disposto na alínea e) do n.º 2 do art. 195.º do CIRE (o âmbito desta disposição restringe-se, no entanto, às normas supletivas que se aplicariam, não fosse a deliberação dos credores por uma alternativa, permitida pelo CIRE, como entendem CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, II, 2005, pág. 50) – cfr. Ac. da Relação de Lisboa, processo n.º 86/11.1TYLSB-G.L1-6.
O plano de insolvência é um verdadeiro negócio jurídico processual e mesmo uma transacção, portanto, um autêntico contrato - cfr. Ac. da Relação de Coimbra, de 06.11.2012, processo n.º 444/06.4TBCNT-Q.C1 – pelo que, sendo imperativas as normas do LGT que supra reproduzimos, por só ao Estado competir lançar impostos e proceder à sua cobrança, com observância do princípio da legalidade, não sobra, assim, qualquer espaço para a autonomia privada (cfr. Ac. da Relação de Lisboa supra citado). O que significa que tais normas não podem ser derrogadas por via de um qualquer plano de insolvência.
Desta conclusão não resulta a violação do princípio da igualdade dos credores, consagrado no artigo 194.º, do CIRE, em virtude da distinta natureza dos créditos fiscais.
Por conseguinte, o plano de insolvência, aprovado com o voto contrário da Fazenda Nacional, que inclui redução dos créditos fiscais (perdão da totalidade dos juros vencidos e vincendos e de 90% do capital), bem como uma moratória de 4 anos, é manifestamente violador das normas imperativas plasmadas nos n.ºs 2 do art.º 30.º, e 3.º do art.º 36.º, ambos da LGT.
Tem razão o Ministério Público. Com fundamento no art.º 215.º, do CIRE, deveria ter sido recusada a homologação deste plano de insolvência.
Acresce que, como bem se refere no Ac. da Relação de Lisboa a que vimos aludindo – e seguido de perto –, o tribunal a quo é completamente omisso quanto ao disposto na parte final da alínea a), do n.º 3, do art.º 196.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja, não diz porque dispensou a obrigação de substituição dos administradores da insolvente.
E assim procede o recurso, com a consequente revogação da sentença que homologou o plano de insolvência.
*
III – Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revoga-se a sentença recorrida e decide-se não homologar o plano de insolvência.
Custas da apelação pela massa insolvente.
Guimarães, 23 de Abril de 2013
Paulo Barreto
Filipe Caroço
António Santos

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