Ac. T.R.P. de 19-01-2015, Processo Especial de Revitalização - Crédito da Segurança Social

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3557/13.2TBGDM-C.P1
Nº Convencional:JTRP000
Relator:ABÍLIO COSTA
Descritores:PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
Nº do Documento:RP201501193557/13.2tbgdm-C.P1
Data do Acordão:19-01-2015
Votação:UNANIMIDADE
Texto Integral:S
Privacidade:1
Meio Processual:APELAÇÃO
Decisão:REVOGADA
Indicações Eventuais:5ª SECÇÃO
Área Temática:.
Sumário:A homologação do plano de recuperação em processo especial de revitalização contra a vontade da Fazenda Nacional e da Segurança Social viola normas e princípios de carácter público e imperativo, determinantes da sua nulidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:Apelação nº 3557-13.2TBGDM-C.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… apresentou, no Tribunal Judicial de Gondomar, estando os autos, hoje, pendentes na Comarca do Porto, Santo Tirso, Instância Central, Primeira Sec.Comércio – J4, processo especial de revitalização nos termos do disposto nos art.s 17º-A e ss. do CIRE.
Do respectivo plano de recuperação consta, entre outros, um crédito do Instituto da Segurança Social, IP, no montante global de € 79.376,62. Relativamente ao qual foi apresentada a seguinte proposta de pagamento:
- “Pagamento dos juros vincendos à taxa legal de 4%,nos termos do nº10 do art.35º da LGT, art.559º do C.Civil e Portaria nº291/2003 de 8 de Abril;
- Liquidação do valor em dívida em 150 prestações, vencendo-se a primeira um mês após o trânsito em julgado da homologação do plano”.
Aquele plano foi aprovado com 86,70% dos votos – opuseram-se os credores Instituto da Segurança Social, IP, e o C…, S.A.. 
Consta da comunicação do Instituto da Segurança Social, IP, relativamente ao plano de recuperação proposto:
“Vem comunicar que VOTA CONTRA o plano de recuperação apresentado em processo especial de revitalização (PER), na medida em que:
- a insolvente não demonstrou poder oferecer garantia idónea susceptível de assegurar o pleno cumprimento das dívidas nos termos do Art.203º CIRE, bem como não apresenta qualquer movimento em conta corrente, após a data da nomeação do administrador judicial, conforme doc. 1 que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
Mais Requer a V.Exa se digne recusar oficiosamente a homologação desse plano de insolvência, nos termos do art.215º do CIRE, na medida em que o mesmo não se coaduna com o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, violando normas imperativas, designadamente, o nº3 do Art.30º da LGT, o Art.125º da Lei nº55-A/2010, de 31.Dez. e o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social”.
Não obstante esta oposição, o plano de recuperação foi aprovado e homologado por sentença.
Escreveu-se, a propósito, naquela sentença: 
“O Voto a fls. 601 tem de ser desconsiderado, já que não foi dirigido ao AI na data agendada para a votação.
Por outro lado, a alegada violação do nº3, do artº 30º, da LGT e 125º da Lei 55-A/2010 apesar de serem normas imperativas que a Segurança Social deve observar quanto ao regime de regularização de dividas, tem de ceder perante as normas especiais do PER.
Aquelas normas são imperativas para O ISS, IP, quando o próprio “negoceia o pagamento das dívidas“ pelos contribuintes. Mas no caso em apreço não estamos perante negociação direta entre o ISS, IP e o contribuinte, mas perante uma plano especial de revitalização, que permitirá a satisfação dos créditos dos credores e evitará a declaração de insolvência do devedor (não se podendo olvidar que sendo declarada a insolvência, necessariamente não são observadas aquelas normas, além das que impõem em determinadas situações o reconhecimento como privilegiado do credito de que aquele é titular, e sem garantia de pagamento, o que redunda numa não observação daquelas regras)
Mais se diga que o plano contempla tratamento diferente entre o pagamento do Crédito do ISS, IP em relação aos credores comuns.
Concluímos, pois, inexistir fundamento legal para a recusa da homologação do plano.”
Inconformado, o Instituto da Segurança Social, IP, interpôs recurso.
Conclui:
- o presente Recurso vem interposto da douta sentença de homologação do plano de revitalização proferida em 13/03/2014, notificada em 18/03/2014, a fls., no processo acima referenciado;
nos autos, ao ISS, IP foi reclamado e reconhecido o crédito comum de Euros: 43.431,25, o crédito privilegiado de Euros: 35.945,37, perfazendo o valor global de Euros: 79.376,62;
tais créditos foram reclamados a 4/10/2013 e reconhecidos a 19/12/2013, pelo(a) Sr(a). Administrador(a) nos exatos termos em que foram reclamados, quer quanto ao montante quer quanto à sua natureza;
foi designado prazo pelo ilustre Administrador Judicial Provisório para pronuncia e termo das negociações em 20/01/2014 e 21/01/2014 e, posteriormente, em 27/01/2014 e 28/01/2014;
o plano de revitalização veio a ser aprovado pelo ilustre Administrador Judicial Provisório em 28/01/2014;
o ISS, IP não votou a favor, nem contra, nem se absteve no aludido plano, mas requereu a sua não homologação e a sua recusa oficiosa, nos termos do Art. 215º do CIRE, através de requerimento dirigido ao Tribunal em 14/02/2014, na medida em que:
- A insolvente não demonstrou poder oferecer garantia idónea suscetível de assegurar o pleno cumprimento das dívidas nos termos do Art. 203º CIRE, bem como não apresenta qualquer movimentos em conta corrente, após a data da nomeação do administrador judicial;
- o mesmo não se coaduna com o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, violando normas imperativas, designadamente, o n.º 3 do Art.30º da LGT, o Art. 125º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.Dez e o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social;
em 13/03/2014, foi proferida a douta sentença de homologação do plano de revitalização e notificada em 18/03/2014, ora em crise;
a questão colocada neste recurso é a de saber se é aplicável aos créditos da Segurança Social, o plano aprovado e homologado por sentença;
pois que, ao homologar o citado plano, sem, no mínimo, qualquer afirmação no sentido de o mesmo não se aplicar ao credor ISS, IP, foi violada a lei aplicável:
I.1. indisponibilidade do crédito tributário, plasmada no Art. 30º n.º 2 e 3 da LGT, na redação dada pelo Art. 125º da Lei n.º 55-A/2010, de 31.Dez;
I.2. Foi violado o disposto nos Arts. 190º e 191º do CRCSPSS, Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 19.Set., na medida em que, o plano de pagamento prestacional de divida à Segurança Social, foi aprovado sem autorização da Segurança Social e a devedora não apresenta qualquer movimentos em conta corrente, após a data da nomeação do administrador judicial, o que constitui um indício da inviabilidade económica do contribuinte.
I.3. Foi violado ainda o disposto no Art. 203º do CRCSPSS, na medida em que, a devedora não demonstrou poder oferecer garantia idónea susceptível de assegurar o pleno cumprimento das dívidas à segurança social.
o plano não pode violar disposições legais e imperativas, nem pode o interesse dos demais credores legitimar, sem a necessária autorização, a violação de normas imperativas que tutelam os créditos fiscais;
é hoje pacífico que a obrigação contributiva da segurança social, sem prejuízo da sua especialidade, pertence ao domínio mais amplo das relações jurídico-tributárias, atento o disposto no Art. 1º e 3º n.º2 da LGT, assim como, nos termos do Art. 30º n.º 2 e 3 cfr. Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 - Art.125º, o crédito tributário é indisponível (…) e … prevalece sobre qualquer legislação especial”, disposições legais que se aplicam a douta sentença de homologação do plano proferida em 13.03.2014;
por seu turno, o regime jurídico de regularização das dívidas à segurança social encontra-se regulado e excecionado nos Arts. 190º n.º 1, 2 aliena b), 3 e 6, 191º e 203º do CRCSPSS, Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 19.Set.;
ora, no caso sub judice, a inexistência de autorização do pagamento prestacional da divida à Segurança Social por parte deste Credor Reclamante, da devedora não apresentar qualquer movimentos em conta corrente, após à data da nomeação do administrador judicial, o que constitui um indicio da inviabilidade económica do contribuinte e deste não ter demonstrado poder oferecer garantia idónea suscetível de assegurar o pleno cumprimento das dívidas à segurança social, representam uma violação não negligenciável das normas aqui citadas, aplicáveis ao conteúdo dispositivo do plano aprovado, na parte respeitante aos créditos da Segurança Social e, por isso, razão suficiente para a recusa oficiosa da homologação do plano, nos termos do Art. 215º do CIRE, requerida oportunamente nos autos, por serem “são negligenciáveis todas as violações imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza” ou, no mínimo, não se aplicar ao credor Segurança Social;
o plano que não respeite as condições impostas pela lei e que põe em causa a justa salvaguarda dos créditos da Segurança Social e consequente homologação são, por isso, nulos, relativamente, pelo menos, à Segurança Social, pelo que, não se lhe deverá aplicar;
a interpretação, segundo a qual os demais credores podem dispor livremente em matéria de dívidas vencidas à Segurança Social, da responsabilidade do devedor, é susceptível de reduzir a letra-morta as normas aqui invocadas, possibilitando, em última análise que sejam os demais credores a decidir;
pois que, mais se acrescenta, em conformidade com a 2ª parte do Art.192.° n.º 2 do CIRE , o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos credores, na medida em que, tenha havido consentimento do credor;
constatando-se que o credor não consentiu na forma de pagamento do crédito diferido, a aprovação do plano em causa, nas condições referidas, violou ainda o segmento da norma que exige o consentimento do credor, nos termos da 2ª parte do n.° 2 do Art. 192.° do CIRE;
de igual modo, conclui-se assim que, nessas circunstâncias, por falta de consentimento do credor Segurança Social, o plano aprovado nos autos é igualmente nulo relativamente a este crédito, sendo ilegal, por violação directa da citada norma contida na 2ª parte do n.º 2 do Art. 192° do CIRE, a douta sentença que o homologou;
de resto, a exclusão dos créditos fiscais do âmbito de aplicação, nomeadamente, do Art. 196º n.º 1 do CIRE, não implica a violação do princípio da igualdade de tratamento dos credores, consagrado no Art. 194º n.° 1 do mesmo diploma . Com efeito, tal principio tem uma dupla faceta, traduzida em tratar igualmente o que é semelhante e distinguir o que distinto. Sem embargo, “diferenciações justificadas por razões objectivas”, podem justificar diferente tratamento nomeadamente, “tendo em conta as fontes do crédito” “está a tratar-se desigual o que é desigual”;
os créditos da Segurança Social integram essa exceção, pois embora créditos privilegiados ou comuns na classificação do CIRE, os créditos do Segurança Social não perdem a sua natureza de créditos indisponíveis e submetidos ao princípio da legalidade;
no entanto e se, assim não se entender, isto é, se o Art. 192.°, n.°2 do CIRE, for interpretado no sentido de permitir, contra a vontade expressa do credor Segurança Social a derrogação das normas imperativas acima citadas, então esse artigo é materialmente inconstitucional, por ofensa do disposto nos Art. 103.° n.° 2 e 165° n.º 1 alínea i) da CRP, confrontados com a indisponibilidade do crédito tributário disposto no Art. 30º n.º 2 da LGT;
este princípio da indisponibilidade aqui consagrado e expressão directa do princípio constitucional da legalidade em matéria fiscal, configura desde logo um limite legal a atuação da administração tributária no sentido de não poder ela própria, por meio de ato administrativo tributário, conceder moratórias ou alterar as condições de pagamento das dívidas tributárias, sendo que o legislador nesta matéria tem que ser especialmente habilitado, atenta a reserva de lei formal resultante do Art. 165° n.° 1 , alínea i) da CRP;
ora, se interpretarmos o Art. 192° n.º 2 do CIRE , no sentido de permitir a terceiros credores a possibilidade de aprovarem um plano, com posterior homologação judicial, em que regulem o diferimento do pagamento dos créditos fiscais, permitindo a definição de prestações, sem o necessário consentimento, então essa norma é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da legalidade tributária, contidos no referido Art.103°, n.° 2 e 3 da CRP e concretizados no Art. 30° n.° 2 da LGT, pois que, no caso sub judice, a alteração do conteúdo da obrigação fiscal, ocorre por força da vontade de uma maioria de credores e não por força de lei que a habilite;
ainda que, assim não se entenda, mais se acrescenta que, da Lei n.° 39/2003, de 22.Agosto (que autorizou o Governo a legislar sobre a insolvência de pessoas singulares e coletivas e aprovar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas), não consta qualquer norma, cujo sentido e extensão sejam os de permitir, p.ex.: o aumento do número de prestações para além dos limites impostos, reduzir ou eliminar o montante da prestação de imposto, eliminar os elementos essenciais da obrigação tributária por vontade das partes, derrogar a obrigatoriedade de constituição de garantias em pagamento de impostos de modo prestacional, derrogar as consequências da falta de pagamento de qualquer das prestações, ou derrogar a proibição de concessão de moratórias no pagamento de impostos, ou de juros compensatórios que integram a prestação tributária;
quer dizer, a lei de autorização legislativa referida não mandatou o Governo a legislar no sentido de criar exceções aos princípios da legalidade e da indisponibilidade dos impostos;
por isso, desde logo, a norma do Art. 192° n.º 2 do CIRE, se interpretada como uma norma aberta no sentido de permitir a disponibilidade de créditos fiscais pelos demais credores, que nem sequer são partes na relação jurídico-tributária, é organicamente inconstitucional por violação directa do princípio de reserva absoluta de lei formal, contido no referido Art. 165° n.° 1, alínea i) da CRP;
igualmente, as normas que integram o Titulo IX do CIRE, designadamente as normas dos Art. 194°, n.º 1, 195°, n° 1 e 2, 196° n.°1 alíneas a), b), c), d) e e) e 197.°, todos do CIRE, se interpretadas no sentido de permitirem que os credores aprovem plano que defina as condições da existência, conteúdo e prazos de pagamento dos créditos fiscais e alterem as respectivas condições de cobrança, sem o consentimento, são organicamente inconstitucionais por violação directa do referido principio e normas constitucionais;
assim, para além do mais supra alegado, é igualmente ilegal a sentença de homologação do plano, por terem sido aplicadas normas cuja interpretação é inconstitucional, pois que, nas interpretações citadas, tais normas violam directamente os princípios da legalidade tributária e da reserva absoluta de lei formal, constantes dos Art.103° n.° 2 e 3 e 165º n.° 1, alínea i) da CRP;
assim, atento o supra exposto deverá ser considerada ineficaz a sentença de homologação do plano, em relação ao credor ISS, uma vez que, o plano afeta os créditos do recorrente, no caso sub iudice, uma vez que, também ocorre violação não negligenciável de normas imperativas que acarretam a produção de um resultado que a lei não autoriza - Art. 215º do CIRE.
Nas contra-alegações apresentadas conclui-se pela confirmação da sentença proferida.
*
*
A matéria a considerar já resulta do relatório.
*
*
Questão a decidir:
- homologação do plano de recuperação.
*
*
Como se escreve no ac. do STJ de 18-2-2014, in CJ, XXII, I, 123, o Direito Falimentar português, nas suas diversas reformas, tem oscilado entre dois paradigmas: “um, dando primazia à recuperação, outro, optando pela liquidação”. Sendo que, no actual CIRE, e como conclui CATARINA SERRA, in O Regime Português da Insolvência, 21: “…o processo de insolvência é um processo de liquidação e o plano de insolvência é o único mecanismo que pode ter como fim a recuperação da empresa insolvente…”.
A jurisprudência, dando primazia à recuperação das empresas, vinha considerando, relativamente aos planos de insolvência, que os créditos do Estádio poderiam ser afectados pelos credores do insolvente: “porquanto, as prerrogativas dos seus créditos, no contexto da relação tributária não seriam, sem mais, transponíveis para o processo universal que a insolvência é, por isso, não estavam os créditos da Autoridade Tributária numa posição de intangibilidade, enquanto os credores privados renunciavam aos seus direitos, na tentativa de recuperar a empresa…” - cfr ac. do STJ citado.
No entanto, o legislador, eventualmente apercebendo-se daquela tendência da jurisprudência, e perante o disposto no art.30º, nº2, da LGT, nos termos do qual “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, aditou-lhe o nº3, do seguinte teor: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial” – art.125º da Lei nº55-A/2010 de 21/12. Esclarecendo neste preceito legal que o disposto no nº3 do artigo 30º da LGT se estende aos “processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação…”.
Perante a tendência supra referida do direito da insolvência e o reafirmar, por parte do legislador, nos termos referidos, da indisponibilidade dos créditos tributários, conclui CATARINA SERRA, ob. cit., 148: “Não há dúvida que, com estas alterações, o legislador pretendeu alargar o alcance da protecção aos créditos tributários. E, sem dúvida, atingiu um dos argumentos principais da jurisprudência: a cedência da lei geral (a lei tributária) perante a lei especial (a lei da insolvência), havendo já consideráveis sinais de uma inversão de sentido nas decisões dos tribunais portugueses nesta matéria…”.
Entretanto, é publicada a Lei nº16/2012 de 20 de Abril, que, entre outras alterações, introduziu no CIRE o processo especial de revitalização. Que visa a recuperação das empresas em situação económica difícil: “pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual” – cfr Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº39/XII, de 30 de Dezembro de 2011.
Em face desta alteração – e atentos os motivos que a ela presidem – e perante quanto acima se disse, entende aquela autora que a questão – relativa aos créditos do Estado - só será superada com uma interpretação restritiva das normas que compõem o regime tributário.
Assim, escreve in Revista da Ordem dos Advogados, 72, 739:
“Numa apreciação final, não pode deixar de se confessar que o novo regime do PER suscita um prognóstico reservado, não só pelas razões indicadas, mas ainda por comungar daquele que foi - continua a ser – um dos maiores problemas do plano de insolvência: a (alegada) indisponibilidade dos créditos tributários, por força dos art.s 30º, nºs 2 e 3, 36º, nºs 2 e 3, da lei Geral Tributária, dos art.s 196º e 199º do Código de Processo e Procedimento Tributário, e do DL nº411/91 de 17 de Outubro…Tal como acontece relativamente ao plano de insolvência, não se contestando esta indisponibilidade, os créditos do Estado e da Segurança Social são, em princípio, insusceptíveis de perdões, reduções de valor, moratórias ou de outros condicionamentos contra a vontade dos seus titulares.
A aprovação e a homologação de planos de recuperação e, consequentemente, a realização da finalidade de reestruturação tornar-se-á muito difícil, já que as dívidas à Fazenda Pública e à Segurança Social representam quase sempre a parte mais significativa do passivo do devedor.
Como se disse noutra altura, a propósito do plano de insolvência, o problema só será superado com uma interpretação restritiva das normas que compõem o regime tributário.
Convocam-se, para isso, dois argumentos: a teleologia subjacente ao PER e a unidade do sistema jurídico. A regra de que havendo contradição entre o que resulta da interpretação do texto expresso de uma norma jurídica e aquilo que resulta do silencio de outra se resolve com a sobreposição da primeira à segunda não deve ser mantida quando acarrete uma desconsideração da teleologia que está subjacente a esta e outras perturbações intoleráveis para a harmonia do sistema jurídico…”.
Ora, não obstante a força destes argumentos, o regime tributário acima referido - aplicável ao regime das contribuições para a segurança social por força do disposto nos art.s 1º e 3º, nº2, da LGT – não sofreu modificações. Mantendo-se nos seus exactos termos, mesmo após a introdução do processo especial de revitalização.
Ou seja, o legislador, ao introduzir o PER, manteve o princípio da intangibilidade dos créditos do Estado e da Segurança Social, e da sua prevalência sobre qualquer legislação especial, designadamente, o direito da insolvência. Que permanece, assim, intocado. 
Pelo que se terá de concluir que o legislador quis manter claro que, em matéria de impostos e contribuições para a segurança social, se mantém o princípio da indisponibilidade: é matéria que não está na disponibilidade dos credores do requerente - ou de outro qualquer devedor. Não cabe a estes decidir se o requerente paga – ou deixa de pagar - impostos ou contribuições, quanto, em que condições, e quando. O que, na realidade, não é facultado a qualquer outro particular. Nem a qualquer contribuinte, por mais dificuldades económicas que ultrapasse. Não colhendo, por outro lado, o argumento de que, normalmente, aqueles créditos correspondem à parte mais significativa do passivo do devedor, inviabilizando, assim, o respectivo plano de recuperação: precisamente por isso, cabe atalhar ao problema, desincentivando os devedores, que começam precisamente por deixar de pagar as dívidas do Estado. Que, por isso, fica carente de receitas, com as consequências conhecidas.
Em suma, sem prejuízo de a Fazenda Nacional ou a Segurança Social deverem, eventualmente, e caso a caso, viabilizar planos de recuperação – já que a consequente insolvência da empresa será, em princípio, uma solução pior para todos, incluindo o Estado – o que não pode é deixar-se na disponibilidade dos particulares – neste caso, dos credores do devedor – a faculdade de decidirem sobre o pagamento – ou não pagamento - de impostos ou contribuições para a segurança social por parte do devedor em situação económica difícil ou de insolvência iminente. 
No sentido de que as normas de direito tributário têm carácter público e imperativo, vigorando, nesta sede, os princípios da indisponibilidade e da irrenunciabilidade, competindo ao Estado, de forma soberana, criar e regular a forma de pagamento dos impostos, não podendo os particulares decidir sobre tal matéria, cfr, entre outros, os ac.s desta Relação de 15-5-2014, 10-7-2013 e 28-6-2013; da Relação de Coimbra, de 24-9-2013, 28-5-2013 e 20-10-2011; e da Relação de Guimarães, de 18-6-2013 e 23-4-2013, todos a consultar in www.dgsi.pt..
Foi violado, assim, atento o plano de pagamentos aprovado relativamente à Segurança Social, o disposto no art.215º do CIRE, aplicável por força do preceituado no art.17º-F, nº5, daquele diploma legal, nos termos do qual: “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”. 
Coloca-se, agora, a questão relativa às consequências a extrair daquela violação: nulidade ou ineficácia relativamente à recorrente.
A jurisprudência maioritária vai no sentido da nulidade do plano de recuperação. Assim, escreveu-se no ac. da Relação de Guimarães de 23-4-2013 supra citado: “importa referir que, a violação em sede de plano de revitalização de normas aplicáveis ao respectivo conteúdo, fulmina o mesmo de vício que o atinge in totum, obrigando à sua não homologação (não podendo, assim, ser parcialmente homologado) por se dever considerar estar ele integralmente inquinado, sendo que, de resto, não existe fundamento legal…que obrigue a que, em tais situações, deva o juiz proferir decisão que determine a respectivo aperfeiçoamento”.
Outro foi o entendimento seguido no ac. do STJ de 18-2-2014 supra citado, nos termos do qual: 
“Tendo em conta os interesses subjacentes jurídicos e sociais imbrincados na recuperação da empresa, em tempos de crise económica, sobretudo, considerando as elevadas taxas de desemprego, a solução mais ajustada, sem ferir princípios jurídicos basilares dos negócios…é a da ineficácia relativa.

O plano de insolvência, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia, por isso, o Plano de Recuperação da empresa que for aprovado não é oponível ao credor que não anuiu à redução ou alteração lato sensu dos seus créditos”. 
Perfilhámos o entendimento de que, uma vez que foram violadas normas imperativas, o plano de recuperação aprovado e homologado está afectado de in totum, ou seja, de nulidade. O que, aliás, permite aos credores, caso nisso tenham interesse, aprovar outro plano que sirva os seus interesses. 
O recurso merece, assim, provimento.
*
*
Acorda-se, em face do exposto, e procedendo a apelação, em julgar nulo o plano de recuperação aprovado e, depois, homologado pela sentença recorrida.
Sem custas.

Porto, 19-01-2015 
Abílio Costa
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Verificação Ulterior de Créditos - Ac. do TRP de 10-04-2014

Na ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, a propor ao abrigo do disposto nos arts. 09.º, al. a) e 10.º da Lei n.º 37/81, de 03 de outubro [Lei da Nacionalidade] na redação que lhe foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional

Garantia bancária "on first demand"