Resolução dos actos prejudiciais á massa insolvente
251/09.2TYVNG-H.P1
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JTRP000
MARIA JOÃO AREIA
S
INSOLVÊNCIA
RP20131001251/09.2TYVNG-H.P1
01-10-2013
UNANIMIDADE
S
1
APELAÇÃO
CONFIRMADA
2ª SECÇÃO
I - A falta de fundamentação da carta de resolução de acto prejudicial à massa determina a nulidade da mesma.
II - Na contestação a deduzir na ação de impugnação de tal acto resolutivo, não pode a massa insolvente deduzir pedido reconvencional exercendo o seu direito potestativo à resolução com fundamento em novos fundamentos ou pedindo a declaração de nulidade do negócio sob impugnação.
Processo nº 251/09.2TYVNG-H.P1 – Apelação
Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Maria de Jesus Pereira
2º Adjunto: Maria Amália Santos
Acordam no Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção):
I – RELATÓRIO
B… e mulher C…, D… e mulher E…, e F… e mulher G…, instauraram a presente ação de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente ao abrigo do disposto no art. 125º do CIRE e por apenso ao processo de insolvência contra, a MASSA INSOLVENTE DE H…, LDA..
Alegando, em síntese:
em 20.11.09 receberam uma carta da A.I. resolvendo em beneficio da massa insolvente o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 06.09.2005:
a resolução invocada é injustificada pois a mesma não consubstancia a alegação de qualquer facto, apenas uma mera remição para normas legais, não especificando em que termos aplica as normas nem explica o porquê da sua aplicação.
Concluem pela revogação da resolução em benefício da massa do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre AA. e a insolvente em 06.09.2005 bem como do respetivo aditamento ao mesmo em 17.09.07.
A Ré contesta, deduzindo reconvenção pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda e aditamento do imóvel ou que se declare nula, por simulada, ordenando-se a entrega imediata do imóvel em causa à massa insolvente.
Pelo juiz a quo foi proferido despacho saneador que não admitiu o pedido reconvencional, julgando procedente a ação, declarando, em consequência, nula e de nenhum efeito a resolução enviada pela Administradora de Insolvência.
Inconformada com tal despacho, a Ré Massa Insolvente dele interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:
A. O âmbito do presente recurso refere-se ao Douto Despacho e Sentença proferida notificada, que, em suma, julgou procedente a ação de impugnação da resolução de ato em benefício da massa insolvente, interposta nos termos do artigo 125º do C.I.R.E., bem como, previamente, não admitiu o pedido reconvencional deduzido pela Ré;
B. Para tanto, alega o tribunal a quo que a declaração de resolução efetuada pela Administradora de insolvência não se mostra fundamentada e, por isso, a mesma está ferida de nulidade;
C. Ora, salvo o devido respeito por quem proferiu tal decisão, que é muito, diga-se, mal andou o Tribunal a quo, quando assim entendeu;
D. Porquanto, na carta resolutiva enviada pela Administradora de Insolvência, foi fundamentada a resolução, não padecendo de qualquer nulidade, com referência aos seguintes factos:
i) Em 21 de Maio de 2009, às 08:10 horas foi proferida a Sentença de Declaração de insolvência da Devedora “H…, Lda”;
ii) Aí foi nomeada para Administradora da Insolvência a signatária da missiva;
iii) Que, em 06 de Setembro de 2005 e em 17 de Setembro de 2007 foi alegadamente outorgado um contrato promessa de compra e venda, referente ao prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua …, …, …, descrito na Conservatória do registo Predial sob o nº 1892 e inscrito na matriz predial sob o artigo 4392;
iv) Que a promitente vendedora já se encontrava no limiar da sua insolvência;
v) E que, a alegada outorga daquele contrato promessa, era um acto prejudicial à massa insolvente, pois diminuía (como diminuiu) a satisfação dos credores da insolvência,
vi) que desta forma se viriam desapossados de assinalável valor patrimonial do dito prédio;
E. Estabelece o artigo 123.º do CIRE, quanto à legitimidade ativa para o exercício do direito de resolução, que a mesma compete exclusivamente ao administrador da insolvência;
F. Em coerência com o regime geral da resolução, que consagra que a mesma se pode fazer por simples declaração à outra parte (art. 436º, nº 1 do Cód. Civil) o Art. 123º, nº 1, do CIRE, não exige que a resolução seja realizada por ação judicial, bastando-se, para o efeito, uma simples comunicação por carta registada com aviso de receção.
G. Ora, atendendo ao caso sub judice, tal formalidade foi cumprida, conforme acima exposto;
H. Por outro lado e em complemento, a Lei não especifica o grau de fundamentação ou até mesmo se ela deve existir (cf. citado art. 123º do CIRE);
I. Importa, pois, atender ao facto que se não pode exigir à Administradora de Insolvência que emita cartas resolutivas com fundamentação, como se de decisões judiciais se tratassem;
J. São os tribunais que estão vinculados, por virtude de exigência constitucional, a fundamentar devidamente as suas decisões (fundamentação de facto e fundamentação de direito), e não os administradores de insolvência;
K. Tendo a carta resolutiva enviada pela Administradora satisfeito tal exigência (mínima) e muito mais;
L. Visto que, com efeito, na mesma alude-se que o negócio se situa no período suspeito;
M. Mais refere que se tratou de um acto prejudicial à massa por ter diminuído a satisfação dos credores da insolvência;
N. Desapossados de um considerável valor, face ao contrato alegadamente outorgado;
Acresce que,
O. Uma declaração negocial tem de ser interpretada de acordo com as regras estabelecidas nos Arts. 236º, nº 1 e ss. do Código Civil;
P. Ora, dispõe o Art. 236º, nº 1 Cod. Civil que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele;
Q. A regra geral enunciada é a de que, uma declaração negocial, vale com o sentido que seria apreendido por um declaratário normal, entendendo-se por declaratário normal uma pessoa de conhecimento e diligência médios;
R. Pelo que, lida e relida a referida carta de forma global e contextualizada, e tendo como referência um declaratário normal, conclui-se que o que se pretendeu transmitir aos AA. foi a resolução do negócio jurídico referente ao contrato promessa de compra e venda do prédio urbano e aditamento, anteriormente, na presente alegação de recurso, melhor identificado;
S. Inferindo-se, como os AA. inferiram, a operada resolução do contrato promessa de compra e venda;
T. Até porque, se assim não fosse, os ora AA., não teriam intentado a ação de impugnação da operada resolução, tal como o fizeram;
U. Não deixando de impugnar a resolução quanto ao direito e factualidade vertida na operada resolução;
V. Concluindo-se, assim, que atenta toda a factualidade dos autos, foram cumpridos quer os requisitos materiais, quer os requisitos de formais (artigo 123º) para a efetivação da resolução em benefício da massa insolvente;
W. Sendo o ato resolvido prejudicial à massa insolvente.
Sem prescindir, ainda que assim se não entenda
X. A R. deduziu, aquando da apresentação da sua defesa (contestação) um pedido reconvencional, solicitando a final que se julgue o mesmo procedente por provado e, em suma, declarar-se resolvido o contrato promessa de compra e venda e aditamento ou, se assim, não se entender, declarar-se a referida promessa de compra e venda e aditamento nula, por simulada, ordenando-se, por conseguinte, em qualquer dos casos, a entrega imediata do imóvel à Massa Insolvente;
Y. Reconvenção que cumpre, salvo melhor opinião, todos os pressupostos legais (quer de forma quer de direito) para ser admitida;
Z. Quanto a este pedido, o mesmo não foi admitido pela Meritíssima Juiz a quo, alegando, sumariamente, não se verificar qualquer um dos casos previsto no artigo 274.º, n.º 2, al. a) a c) do CPC, tendo em consideração os casos em que a reconvenção é admissível e a finalidade da ação;
AA. Ora, a forma do processo permite a figura da reconvenção;
BB. No pedido reconvencional é claro, claríssimo mesmo, que o seu fundamento emerge da defesa da própria Ré;
CC. Fundamenta-se, além do mais, na simulação e consequente nulidade do ato em causa;
DD. Ora, a reconvenção terá de ser admitida face ao facto de ter sido invocado pela Recorrente, como meio de defesa, um facto jurídico que se representa no pedido dos Autores, extinguindo-o;
EE. Ao que acresce, o facto de ser um pedido substancial, não apenas formal, e autónomo, isto é, que transcende a simples defesa conducente à improcedência da pretensão dos Autores;
FF. Pelo que, por tudo o que agora foi exposto supra, a decisão recorrida carece de fundamentação idónea, nos termos dos artigos 158.º e 274º a) do C.P.C., estando, consequentemente, ferida de nulidade, por força da aplicação do artigo 668º nº 1 b) do C.P.C., o que desde já se alega, com as demais consequências legais;
GG. Face ao exposto, a douta decisão recorrida violou, além do mais, as normas legais constantes nos artigos 120º, 121º nº 1 e 123º todos do CIRE; os artigos 236º nº 1 e 436.º ambos do Código Civil e, ainda, os artigos 158º e 274º a) ambos do Cód. Proc. Civil.
Conclui pela revogação da sentença, e pela procedência da nulidade invocada.
Os AA. apresentaram contra-alegações, no sentido da manutenção do decidido.
Cumpridos que foram os vistos legais, há que decidir.
II – APRECIAÇÂO DO OBJECTO DO RECURSO.
Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – arts. 684º, nº3 e 685º-A, do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto[1] –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se a comunicação de resolução padece de nulidade por falta de fundamentação.
2. Admissibilidade da reconvenção.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Se a comunicação de resolução padece de nulidade por falta de fundamentação.
Prevê o CIRE a possibilidade de resolução dos atos prejudiciais à massa insolvente, a fim de permitir de forma expedita e eficaz, a reconstituição do património do devedor, com vista a apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles atos, que se mostram prejudiciais para a massa[2].
Consagrada em duas modalidades – a resolução condicional (art. 120º) e a resolução incondicional (art. 121º), a resolução pode ser efetuada pelo administrador de insolvência:
a) por carta registada com aviso de receção, dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do ato objeto da resolução, mas nunca decorridos dois anos sobre a declaração de insolvência;
b) por via de exceção, sem dependência de prazo, sempre que o negócio não esteja cumprido.
Operada a resolução de um determinado negócio por parte do administrador de insolvência, por meio de carta registada com A/R, ao abrigo do disposto nos arts. 120º e 121º do CIRE)), tal resolução pode ser impugnada pela contraparte no negócio resolvido, mediante ação a propor contra a massa insolvente, por apenso ao processo de insolvência (art. 125º do CIRE).
E, como vem sendo entendido na nossa jurisprudência[3], tal ação tanto pode servir para impugnar a existência dos fundamentos da resolução levada a cabo pelo Administrador da Insolvência, como para impugnar a validade do próprio ato resolutivo, por ex., por não ter sido observada a forma estabelecida no art. 123º ou por terem sido omitidos os fundamentos fácticos relevantes da resolução.
No caso em apreço, fundamentando os AA. a sua impugnação precisamente na circunstância de a carta de resolução não conter a alegação de qualquer facto mas uma mera remissão para as normas legais, viram tal posição ser reconhecida pelo juiz a quo, que julgando a ação procedente, declarou nula e de nenhum efeito a resolução enviada pelo AI.
Insurge-se o Administrador de Insolvência contra tal decisão, defendendo que a carta resolutiva satisfaz as exigências mínimas de fundamentação, sendo compreensível para o declaratário normal – dela resulta claramente que o que pretendeu transmitir aos autores foi a resolução do negócio jurídico referente ao contrato promessa de compra e venda do prédio urbano e aditamento –, tal como o foi para o autor, de tal modo que intentou a respetiva ação de impugnação, não deixando de impugnar a resolução quanto ao direito e a factualidade vertida na resolução.
Não assiste, contudo, razão à apelante, como passaremos a demonstrar.
A resolução depende, regra geral, da verificação dos seguintes requisitos: a) atos praticados ou omitidos dentro dos quatro anos[4] anteriores à data do início do processo de insolvência b) prejudicialidade para a massa (arts. 120º, ns. 1 e 2), c) a má-fé do terceiro.
Contudo, a lei previu mecanismos que facilitam a resolução: há atos que se presumem, iuris et iure, prejudiciais à massa (art. 121º, nº1); há atos que relativamente aos quais se presume, iuris tantum, a má-fé do terceiro (art. 120º, nº4); e, por fim, há atos cuja resolução é incondicional, não dependendo de requisito algum (art. 121º, nº1).
A declaração de resolução é uma declaração negocial unilateral receptícia que, sendo fundada na lei, para ser eficaz tem de chegar ao conhecimento do destinatário, produzindo os seus efeitos logo que recebida por este (art. 224º, nº2 do Código Civil).
A resolução de negócios jurídicos pelo administrador por prejudiciais à massa, seja a justificada com base no prejuízo para a massa falida e na atuação da má-fé da contraparte (art. 120º), seja a resolução incondicional prevista no nº1 do art. 121º, não é livre, encontrando-se condicionada por um motivo previsto na lei ou, pelo menos, dependente da verificação dos pressupostos previstos nos citados arts. 120º e 121º do CIRE – resolução motivada ou fundamentada.
E, atendendo a que a contraparte no negócio resolvido tem o direito de impugnar a resolução, mediante a instauração da ação prevista no art. 125º do CIRE, a declaração de resolução contra a qual o impugnante terá de reagir terá necessariamente de conter a fundamentação factual que a determina e ao abrigo de que norma exercita a resolução.
Como refere Fernando Gravato Morais, “dado que esta resolução carece de específica motivação é essencial que sejam invocados os fundamentos que a originam, os quais têm um conteúdo bem diverso da típica resolução extrajudicial[5]”.
Ou seja, na carta pela qual exerce a resolução do contrato, terá de concretizar quais os factos que traduzem a prejudicialidade para a massa (ou, quando haja presunção desta, ao abrigo do nº3 do art. 120º, pelo menos identificar o ato em causa, a data da sua celebração e as circunstâncias que reconduzam a algum dos casos previstos no nº1 do art. 121º) e o circunstancialismo que envolve a má-fé do terceiro (quando não funcione a presunção iuris tantum prevista no nº4 do art. 120º).
Só no caso de se tratar de resolução incondicional, dispensado que está da alegação da prejudicialidade e da má-fé do terceiro (que se presumem), lhe bastará proceder à indicação precisa do ato em causa, data da sua celebração e data do início do processo de insolvência, permitindo ao destinatário perceber em qual das alíneas do nº1, do art. 121º, pretende o AI enquadrar o negócio a resolver.
No caso em apreço, como refere o Administrador de Insolvência na conclusão D. das duas alegações de recurso, a resolução foi fundamentada unicamente com base nos seguintes “factos”:
i) Em 21 de Maio de 2009, às 08:10 horas foi proferida a Sentença de Declaração de insolvência da Devedora “H…, Lda”;
ii) Aí foi nomeada para Administradora da Insolvência a signatária da missiva;
iii) Que, em 06 de Setembro de 2005 e em 17 de Setembro de 2007 foi alegadamente outorgado um contrato promessa de compra e venda, referente ao prédio urbano de rés-do-chão e andar com garagem e logradouro, sito na Rua …, …, …, descrito na Conservatória do registo Predial sob o nº 1892 e inscrito na matriz predial sob o artigo 4392;
iv) Que a promitente vendedora já se encontrava no limiar da sua insolvência;
v) E que, a alegada outorga daquele contrato promessa, era um acto prejudicial à massa insolvente, pois diminuía (como diminuiu) a satisfação dos credores da insolvência,
vi) que desta forma se viriam desapossados de assinalável valor patrimonial do dito prédio;
Ora, de tal alegação, retiram-se unicamente os seguintes factos: data e identificação do negócio e data da declaração de insolvência.
Quanto às alegações de que aquele contrato promessa “era um acto prejudicial à massa insolvente, pois diminuía (como diminuiu) a satisfação dos credores da insolvência”, e “que desta forma se veriam desapossados de assinalável valor patrimonial do dito prédio”, consistem em afirmações meramente conclusivas, contendo conceitos de direito[6].
Assim como, quanto à má-fé se limita o Administrador de Insolvência a alegar que “a declarada resolução pressupõe a má-fé de terceiro, a qual porém se presume neste caso, dado que se trata da prática de acto cuja prática ocorreu à data em que a devedora se encontrava em situação de insolvência iminente e de ter aproveitado empresa especialmente relacionada com a insolvente (art. 120º, ns. 4 e 5, al. b)”.
Do teor de tal comunicação depreende-se encontrarmo-nos perante uma resolução condicionada (o negócio em causa não se enquadra no circunstancialismo descrito em qualquer uma das alíneas do nº1 do art. 121º).
Como tal, não só teria de alegar factos dos quais resultasse a prejudicialidade para a massa, como, ainda que se tratasse de um caso em que, eventualmente fosse de presumir a má-fé de terceiro, sempre o Administrador de Insolvência teria de alegar os concretos factos integradores de tal presunção, ou seja, e nomeadamente, qual a concreta relação entre os ora AA. promitentes compradores e a promitente vendedora geradora de suspeição, exigida pela ultima parte do nº4 do art. 120º[7] (são sócios ou administradores de facto ou de direito da insolvente, ou familiares destes, ou encontram-se relativamente à insolvente nalguma das situações previstas no art. 49º do CIRE?).
Visando a ação de impugnação, a negação dos factos invocados pelo Administrador da Insolvência, tem o impugnante o direito de saber quais os factos ou as razões em concreto de que se socorre o Administrador de Insolvência para considerar resolvido o negócio, só assim se assegurando verdadeiramente o direito do contraditório.
Como tal, e ao contrário do defendido pelo AI nas suas alegações de recurso, não será suficiente que da declaração de resolução o contraente perceba qual o negócio a resolver, sendo ainda necessária a invocação dos factos e do direito[8] em que assenta a resolução do acto impugnado[9].
A ausência de total alegação factual (para além da identificação do negócio, data do mesmo e data da declaração de insolvência), relativamente aos demais requisitos exigidos pelo art. 120º do CIRE – prejudicialidade e má-fé de terceiro – inviabiliza uma eficaz impugnação da declaração resolutiva por parte dos autores.
A falta de fundamentação da carta de resolução determina a nulidade de tal declaração resolutiva, em conformidade com o decidido na sentença recorrida e com o que tem vindo a ser entendido pela jurisprudência[10] e doutrina[11].
2. Admissibilidade da reconvenção.
Na contestação/reconvenção apresentada na presente ação, alega o Administrador de Insolvência, em representação da massa insolvente, e em síntese:
nenhuma prova foi feita de que os AA. tenham efetuado qualquer pagamento à insolvente;
era público e do conhecimento geral, as dificuldades porque passava a devedora;
os AA. tinham relações privilegiadas com a insolvente através da sociedade I…, Lda., pelo que esta foi a forma encontrada para diminuir a satisfação dos credores para a massa;
considerando-se como data mais provável da outorga a do aditamento, será o mesmo resolúvel ao abrigo do art. 121º do CIRE;
por outro lado, nem a sociedade insolvente queria vender, nem, tão pouco ou AA. queriam comprar, sendo o alegado contrato e respetivo aditamento manifestamente nulos.
Com base em tal alegação, formula a massa insolvente os seguintes pedidos reconvencionais – que se declare resolvido o contrato promessa de compra e venda do bem imóvel e alegado aditamento ou, se assim se não entender, declarar-se a promessa de venda e aditamento nula, por simulada, ordenando-se a entrega imediata do imóvel à massa.
Constata-se, assim, que, na sua contestação, o Administrador de Insolvência, não só veio completar com factos, preenchendo a causa de resolução por si invocada na carta de resolução, como veio invocar toda uma nova factualidade que extravasa os fundamentos por si invocados como causa de resolução, pretendendo exercer na presente ação um novo direito potestativo à resolução[12] e, ainda, em alternativa, a declaração de nulidade de tal contrato, por simulação.
A Jurisprudência vem qualificando tal ação como de simples apreciação negativa[13], na medida em que visa a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência.
A impugnação visará, tão só, a negação dos factos invocados pelo administrador da insolvência para fundamentar a resolução que declarou extrajudicialmente.
E, como tal, na contestação à ação de impugnação não podem ser supridas as deficiências de fundamentação da declaração de resolução[14].
Quanto à reconvenção, implicando a mesma um alargamento do objeto do processo, com a acumulação de uma nova ação no âmbito de um processo pendente, a lei impõe restrições à sua admissibilidade, exigindo, nomeadamente uma certa conexão com a ação principal.
Ora, ao contrário do defendido pelo Administrador de Insolvência nas suas alegações de recurso, o seu pedido reconvencional não emerge da defesa do réu, sendo que quando a al. a), do nº2 do art. 274º do CPC fala em “acto jurídico que serve de fundamento à defesa” refere-se a facto que tenha feito defensivo útil[15].
Com efeito, encontrando-se em causa a impugnação de determinado acto resolutivo operado através da carta que lhes foi enviada a 19.011.2009, só se mostravam relevantes para o desfecho da ação de impugnação os factos que conduzissem à validade ou invalidade de tal resolução.
Os pedidos formulados pela Ré a título reconvencional e os factos que os sustentam já nada têm a ver com a resolução exercitada pela carta enviada aos ora AA., pretendendo enxertar na presente ação o exercício de um direito de resolução fundado numa causa distinta ou o reconhecimento da nulidade do negócio com base em factos inteiramente novos e sem qualquer relevância para a apreciação da legalidade da comunicação de resolução aqui em impugnação[16].
Como já foi sustentado pelo STJ no Acórdão de 17-09-2099, “tendo o pedido reconvencional de emergir de facto jurídico que seve de fundamento à acção ou à defesa (art. 274º, nº1, al. a), do CPC), e sendo a própria acção de impugnação o meio processual adequado para atacar um acto do Administrador da Massa Insolvente (ou seja, já uma defesa por sua própria natureza), não pode a contestação/reconvenção servir para se alterar a causa de pedir da resolução – e consequentemente a acção (…). A reconvenção (…) apenas podia visar a declaração de reconhecimento da validade do acto resolutivo tal como apresentado na carta registada enviada ao A., com as respetivas consequências condenatórias[17]”.
A apelação é, assim, de improceder na sua totalidade.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação, a suportar pela Apelante.
Porto, 1 de Outubro de 2013
Maria João Fontinha Areias Cardoso
Maria de Jesus Pereira
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha
______________
[1] Tratando-se de decisão proferida antes da entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicar-se-á o regime de recursos vigente à data da sua prolação – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 15, e João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, “Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013”, Almedina, pág. 118.
[2] Cfr., neste sentido, ponto 49 do Preâmbulo não publicado do Decreto-Lei que aprova o Código, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Ministério da Justiça, Coimbra Editora 2004, pág. 231 e 232.
[3] Cfr., entre outros, Acórdão do STJ de 22-05-2013, relatado por Tavares de Paiva, disponível no site da dgsi.
[4] Com as alterações introduzidas pela Lei nº16/2012, de 20 de Abril, o legislador veio a reduzir tal período temporal para dois anos.
[5] “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, Almedina, 2008, pág. 164.
[6] Sobretudo quando, do ato em causa não resultou a transferência de qualquer bem do património da devedora insolvente, consistindo tão só num contrato promessa de compra e venda pelo qual a insolvente prometeu vender determinado imóvel aos ora impugnantes.
[7] Para que se possa valer da presunção da existência de má-fé do terceiro, o nº4 do art. 120º, exige que, cumulativamente, o negócio tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao processo de insolvência e que nele tenha participado ou tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente.
[8] Ainda que, quanto à fundamentação jurídica, não seja vinculativa para o tribunal que se venha a pronunciar sobre a validade de tal declaração resolutiva, em consonância com o disposto no art. 664º do CPC.
[9] Como se afirma no Acórdão deste tribunal de 26.11.2012, relatado por Carlos Gil, o conhecimento do ato não se basta com o simples conhecimento da realização do acto cuja eficácia se pretende atacar mediante a resolução, requerendo também o conhecimento dos requisitos necessários à existência do direito de resolução em causa em benefício da massa insolvente.
[10] Cfr., neste sentido, Acórdãos do TRP de 27.11.2012, relatado por Pinto dos santos e em que participa como adjunta a aqui relatora, e de 17.01.2012, relatado por Rodrigues Pires, disponíveis no site da dgsi.
[11] Como afirma Luís M. Martins, “Não concretizando a declaração resolutiva os factos constitutivos do direito que se pretendeu exercer, a resolução é nula e de nenhum efeito, por absoluta falta de motivação – “Perseguir Bens e Direitos Alienados na Insolvência”, artigo disponível in www.insolvencia.pt/artigos/637-perseguir-bens-e-direitos-alienados-na-insolvencia.html.
[12] Como afirma João Baptista Machado, a cada concreto fundamento de resolução corresponde um também concreto direito de resolução – “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in “João Baptista Machado, Obra Dispersa”, I Vol., SCIENCIA IVRIDICA – 1991, pág. 133, nota 10.
[13] Cfr., entre outros, Acórdão do TRP de 26-11-2012, relatado por Carlos Gil, Acórdão do TRP de 18-02-2013, relatado por Caimoto Jácome, e Acórdão do TRC de 21-05-2013, relatado por Falcão de Magalhães, disponíveis no site da dgsi.
[14] Cfr., neste sentido, Acórdão do TRP de 26-11-2012, já citado.
[15] Cfr., neste sentido, Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. I, Almedina 1981, pág. 174, nota 2, segundo o qual a razão de ser da al. a), do nº2 do art. 274º está em que tendo o tribunal de conhecer da matéria do litígio para que possa decidir da pretensão deduzida pelo autor em juízo, nenhum embaraço virá à causa, da reconvenção, uma vez que o tribunal não irá dispender maior atividade.
[16] Não se atinge, aliás, qual o interesse do Administrador de Insolvência na declaração de resolução do negócio em causa ao abrigo do disposto nos arts. 120º e 121º do CIRE, quando, por um lado, do mesmo não resultou a transferência de qualquer património da insolvente para os ora AA. e, por outro lado, os factos que alega respeitantes à nulidade do negócio e à inexistência do direito de retenção – de que não terão ocorrido quaisquer entregas de dinheiro dos AA. à insolvente e de que o imóvel nunca foi entregue aos AA. – podem por si ser invocados para negar o direito de crédito que os AA. terão reclamado na insolvência, respeitante à devolução em singelo das quantias por si alegadamente entregues à insolvente em cumprimento de tal negócio.
[17] Acórdão relatado por Mário Cruz, disponível no site da dgsi.
_____________
V – Sumário elaborado nos termos do art. 713º, nº7, do CPC.
1. A falta de fundamentação da carta de resolução de acto prejudicial à massa determina a nulidade da mesma.
2. Na contestação a deduzir na ação de impugnação de tal acto resolutivo, não pode a massa insolvente deduzir pedido reconvencional exercendo o seu direito potestativo à resolução com fundamento em novos fundamentos ou pedindo a declaração de nulidade do negócio sob impugnação.
Maria João Fontinha Areias Cardoso
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