Art. 146.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas
47/11.1TBAMT-G.P1 |
JTRP000
CAIMOTO JÁCOME
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITO
LEGITIMIDADE
CREDORES DO INSOLVENTE
TITULAR DE CRÉDITOS GARANTIDOS
HIPOTECA
BENS APREENDIDOS PARA A MASSA INSOLVENTE
RP2013101447/11.1TBAMT-G.P1
14-10-2013
UNANIMIDADE
S
1
APELAÇÃO
REVOGADA A DECISÃO
5ª SECÇÃOÁ
ARTº 146º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
I - Uma vez proferida a decisão declaratória da insolvência, todos os credores do devedor passam a ser havidos como credores da insolvência, com a particularidade de fazer abranger nesse universo também aqueles que não sendo, em rigor, titulares de créditos sobre o insolvente, dispõem, todavia de garantias constituídas sobre bens seus para segurança de dívidas de terceiros.
II- Embora a autora não seja credora da insolvente, como se afirma na decisão recorrida, o certo é que, enquanto titular de créditos garantidos (hipoteca) por bens integrantes da massa insolvente, pode socorrer-se do meio processual previsto no artº 146º, do CIRE.
Proc. nº 47/11.1TBAMT-G.P1 - APELAÇÃO
Relator: Caimoto Jácome(1407)
Adjuntos: Macedo Domingues()
Oliveira Abreu()
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
1- RELATÓRIO
Por apenso aos autos em que foi declarada a insolvência da sociedade B…, Lda., veio C…, com os sinais dos autos, instaurar os presentes autos de verificação ulterior de créditos (artº 146º, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18/03), que segue a forma declarativa do processo sumário, contra Massa insolvente de “B..., Lda.”, os credores da insolvente e a devedora “B…, Lda.”, pedindo (sic):
“Nestes termos e, nos mais de Direito, aplicáveis, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência, serem os RR. condenados a reconhecerem que a A. é titular de um crédito de € 75.000,00 de que é devedora a insolvente, nos termos definidos no n° 11 s supra, e afinal ser o mesmo reconhecido e verificado ou verificado e graduado no lugar que lhe competir e com a preferência que a lei lhe reconhece”.
Alega para o efeito que emprestou a D…, E… e F…, a quantia de € 75.000,00, a ser restituído decorridos 30 meses da data de celebração da escritura pública de empréstimo. Para garantia desse pagamento os mencionados D…, E… e F… constituíram a favor do requerente uma hipoteca voluntária sobre o prédio urbano sito no …, freguesia …, concelho de Póvoa de Lanhoso. Posteriormente, os referidos D…, E… e F… alienaram esse imóvel a favor da insolvente “B…, Lda”.
Regularmente citados, os réus não contestaram.
**
Foi, desde logo, proferida sentença, decidindo-se (dispositivo):
“Pelo exposto, julgo a julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolvo as rés do pedido.
***
Custas pela requerente (artigo 148.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e 446.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).”.
**
Inconformada, a demandante apelou daquela decisão judicial, tendo, na sua alegação, concluído:
1- Encontrando-se provado que a recorrente é titular de um crédito já vencido cujo pagamento se encontra garantido por hipoteca que incide imóvel propriedade da insolvente e integrando este imóvel a massa insolvente, a recorrente tem de ser considerada como credora da Insolvente.
2- A circunstância de não ter sido a insolvente a contrair a divida perante a recorrente, mas sim terceiros que constituíram hipoteca a seu favor para garantir o pagamento da divida e sobre o imóvel cuja propriedade foi adquirida posteriormente pela insolvente, não significa que a insolvente venha a ser considerada como devedora e a recorrente como sua credora.
3- O legislador atribuiu a qualidade de credor da insolvente não só aos titulares de créditos sobre o insolvente, mas também aos titulares de créditos garantidos por bens integrantes da massa insolvente, conquanto num caso e noutro o fundamento ou origem do crédito seja anterior á data da declaração de insolvência, e num caso e noutro esses créditos são do lado ativo considerados créditos sobre a insolvência e, do lado passivo, são considerados dividas da insolvência.
4- O legislador quis abranger pelo conceito de credores da insolvência, os titulares de créditos sobre terceiros garantidos por bens que integram a massa insolvente, e também colocou à sua disposição os mesmos instrumentos legais com vista à defesa do seu direito a obter o pagamento no âmbito do processo de insolvência, possibilitando-lhe o recurso ao disposto no artigo 121º e segs. e artigo 146º e seguintes do CIRE, reclamando o seu crédito dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência ou ainda, dentro do prazo suplementar que lhe é concedido pelo artigo 146º e segs. do CIRE através da acção de verificação ulterior de créditos.
5- Ao julgar a acção improcedente por considerar que a recorrente não é credora da insolvente, nem esta devedora daquela, e ao considerar que a recorrente não estava legitimada a socorrer-se do meio processual a que alude o art. 146º e seguintes do CIRE, o tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação do disposto nos artigos 1º, 1; 46º, 1; 47º e 146º do CIRE.
6- Mutatis mutandi, incorreu ainda em manifesta violação do disposto no artigo 686º, do Código Civil.
Nestes termos, julgando procedente o presente recurso e revogando a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue a acção procedente.
Não houve resposta à alegação.
**
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil (actuais 635º e 639º, nºs 1 e 2).
2.1- OS FACTOS E O DIREITO
Em termos de matéria de facto está assente que:
- Por escritura pública outorgada no dia 03.01.2007 no Cartório Notarial de G…, sito na Rua …, nº .., ., .º esquerdo, …, Guimarães, D… e E… confessaram-se devedores perante a Autora da quantia de € 75.000,00 decorrente de um empréstimo do mesmo montante que estes se obrigaram a restituir-lhe decorridos 30 meses sobre a data da escritura.
- Para garantia do pagamento da quantia mutuada, os referidos D… e E… constituíram hipoteca voluntária sobre metade indivisa do prédio urbano composto de quatro andares, dependência e quintal junto, sito no …, freguesia …, concelho da Póvoa de Lanhoso, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4º, e descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Lanhoso sob o número 053/19981228.
- Tal hipoteca encontra-se definitivamente registada através da Ap.1 de 2007/01/17.
- Os referidos D… não só não pagaram à autora o montante do empréstimo em questão, como vieram a alienar a favor da insolvente o referido prédio urbano, tendo a insolvente registado tal aquisição a seu favor através da Ap. 7 de 2007/12/20.
- O crédito da A. ascende nesta data ao valor de € 75.000,00 de capital acrescidos de € 7.282,19 de juros de mora à taxa de 4% ao ano contados desde a data limite para o pagamento (30.06.2010) até ao dia 03.12.2012, sendo que a hipoteca garante apenas o pagamento do capital uma vez que os juros não constam do registo.
**
A noção de hipoteca é-nos dada no artº 686º, do Código Civil(CC).
Trata-se de uma garantia especial (real) das obrigações, conferindo ao respectivo titular o direito de preferência e de sequela, seguindo a coisa onerada nas suas transmissões, podendo sempre o credor hipotecário fazer valer o seu direito.
Com efeito, o credor hipotecário tem legitimidade para deduzir acção executiva directamente contra bens de terceiro, onerados com a hipoteca (artº 56º, nºs 2 e 3, do CPC).
O processo de insolvência é, na sua essência, encarado como um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património do insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (1ª parte, do artº 1º, do CIRE).
Por isso, uma vez declarada a insolvência da B…, Lda., a autora apelante está impossibilitada de lançar mão do disposto no artigo 56º, 2, do CPC, intentando execução hipotecária contra a insolvente, enquanto adquirente do imóvel hipotecado, face ao estatuído no artº 88º, 1, do CIRE.
De acordo com o nº 4, do artº 47º, do CIRE, os créditos sobre a insolvência são: garantidos e privilegiados (al. a)), subordinados (al. b) e arts 48º e 49º) e comuns (al. c)).
A categoria de créditos garantidos abrange os créditos, e respectivos juros, que gozam de privilégio imobiliário especial bem como os créditos que beneficiem de garantias reais. Créditos privilegiados são os que gozam de privilégios creditórios gerais sobre bens integrados na massa insolvente, quando não se extingam por efeito da declaração de insolvência (ver preâmbulo do DL nº 53/2004, de 18/03).
Preceitua o nº 1, do indicado normativo:
“Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade ou domicilio”.
O nº 2 dispõe:
“Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhe sejam equiparados, e as dividas que lhes correspondam, são neste Código denominados, respetivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência”.
A propósito do normativo, anotam LUIS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 226, nota 3):
“Quanto ao nº 1, há a natural consideração de que, uma vez proferida a decisão declaratória da insolvência, todos os credores do devedor passam a ser havidos como credores da insolvência, com a particularidade de fazer abranger nesse universo também aqueles que não sendo, em rigor, titulares de créditos sobre o insolvente, dispõem, todavia de garantias constituídas sobre bens seus para segurança de dívidas de terceiros…
(…) Cabe, no entanto, notar que não há, no rigor dogmático, nenhuma novação subjectiva do devedor, que se mantém sendo o próprio insolvente. A realização dos créditos é que se faz à custa da massa insolvente e por via do próprio processo”.
Resulta do exposto que, tal como bem salienta a apelante, se o legislador quis abranger no conceito de credores da insolvência os titulares de créditos sobre terceiros garantidos por bens que integram a massa insolvente, obviamente que também colocou à sua disposição os mesmos instrumentos legais com vista à defesa do seu direito a obter o pagamento no âmbito do processo de insolvência, isto é, a possibilidade de recorrerem ao disposto no artigo 141º e segs. e artº 146º e seguintes, do CIRE, reclamando o seu crédito dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência ou ainda, dentro do prazo suplementar que lhe é concedido pelo artigo 146º, do CIRE, através da acção de verificação ulterior de créditos.
Como observam os referidos autores (ob. cit., p. 493, em anotação artigo 146º do CIRE, “A acção interposta nos termos deste artigo e, por isso, fora do prazo geral do artigo 141- com o ajustamento decorrente do artigo 144º - não constitui já uma fase do processo de insolvência, ainda que com estrutura própria. Reveste, realmente, a natureza de uma acção autónoma em que o reclamante assume a posição de autor e a massa insolvente, os credores e o devedor a posição de réus. Esta acção, todavia, uma vez que respeita a interesses relativos à massa insolvente corre por apenso ao processo de insolvência, conforme aliás, está determinado no art. 148. Assim, a acção, uma vez proposta e autuada, segue, independentemente do valor do crédito ou do bem reclamado, os termos do processo sumário (art. 148º). Beneficia, porém, do carácter de urgência, nos termos do art. 9º” (No mesmo sentido, ver MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, in Manuel do Direito de Insolvência, 2012, 4ª edição, pág. 224).
Em suma, embora a autora não seja credora da insolvente, como se afirma na decisão recorrida, o certo é que, enquanto titular de créditos garantidos por bens integrantes da massa insolvente, pode socorrer-se do aludido meio processual (artº 146º, do CIRE).
Uma vez que a acção não foi contestada, impõe-se a condenação dos réus no pedido (artº 784º, do CPC).
Procede, assim, o concluído na alegação do recurso.
3- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a acção condenando-se as rés a reconhecerem que a demandante é titular de um crédito (hipotecário) de € 75.000,00, garantido por bem imóvel integrado na massa insolvente, crédito esse a ser atendido no processo de insolvência (verificado e graduado no lugar que lhe competir e com a preferência que a lei lhe reconhece).
Custas da apelação pela massa insolvente.
Custas da acção pela autora (artº 148º, do CIRE).
**
Anexa-se o sumário do acórdão.
Porto, 14/10/2013
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
António José dos Santos Oliveira Abreu
_______________
SUMÁRIO (artº 713º, nº 7, do CPC):
I–Uma vez proferida a decisão declaratória da insolvência, todos os credores do devedor passam a ser havidos como credores da insolvência, com a particularidade de fazer abranger nesse universo também aqueles que não sendo, em rigor, titulares de créditos sobre o insolvente, dispõem, todavia de garantias constituídas sobre bens seus para segurança de dívidas de terceiros.
II- Embora a autora não seja credora da insolvente, como se afirma na decisão recorrida, o certo é que, enquanto titular de créditos garantidos (hipoteca) por bens integrantes da massa insolvente, pode socorrer-se do meio processual previsto no artº 146º, do CIRE.
Manuel José Caimoto Jácome
Comentários
Enviar um comentário