PER (Processo Especial de Revitalização)
A
Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro,
tomada no âmbito do “Memorando de Entendimento” com a CE, o BCE
e o FMI, aprovou os chamados “Princípios
Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores”.
Tais
princípios surgiram enquadrados noutras “medidas de salvação”
destinadas àqueles, medidas estas balizadas, de um lado, pela
consagração de um mecanismo puramente
extrajudicial,
a desenvolver sob os auspícios do IAPMEI, designado por SIREVE
(Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial) que
viria a ser consagrado pelo Decreto-Lei 178/2012, de 3 de Agosto, e,
de outro, pela alteração do CIRE (Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas).
Nessa
sequência, o Governo aprovou, em 30/12/2011, a Proposta de Lei nº
39/XII com vista à alteração deste último e à concomitante
instituição do chamado “processo
especial de revitalização”
(PER).
Como
se explicita no texto justificativo da dita Resolução, aqueles
Princípios
são
de adesão
voluntária mas
de observância naturalmente fundamental, porque determinante no seu
sucesso, em
casos de procedimento extrajudicial.
No
caso do PER,
que a Assembleia da República viria então a aprovar e a corporizar
na Lei 16/2012, de 20 de Abril, buscando o seu espírito e olhando-se
à sua forma, conclui-se, sem dificuldade, que tal processo, apesar
de posto em juízo, conserva
ainda uma natureza e feição de tipo marcadamente voluntário e
extrajudicial.
Ainda
assim, como sinal confirmativo de que não é esse o seu único
modelo de inspiração e de que nele se introduziram já aspectos
reveladores de algumas limitações
à
autonomia e vontade livre das partes e expressos numa tutela
com
matrizes
de “autoridade judicial”, previu-se no nº 10, do art 17º-D,
que, durante as negociações, os intervenientes – devedor e
credores – têm o dever
de actuar de acordo com
tais Princípios, contrapondo-se-lhe responsabilidade
exigível
em acção própria (nº 11).
Interessa
notar que há duas grandes diferenças quanto aos pressupostos do
SIREVE e do PER. Uma delas reside no facto de àquele, ao contrário
deste, só poderem recorrer empresas. A outra, no de este estar
reservado a devedores que se encontrem numa situação económica
difícil ou em situação de insolvência meramente iminente,
enquanto que aquele contempla situação de insolvência actual (artº
2º, nº 1, do DL 178/2012, e artº 1º, nº2, do CIRE).
Mas
também salientar que o vínculo a tais princípios, como sinal de
confiança extrema nas partes e contrapartida da dispensa de controlo
das autoridades perante quem corre o respectivo processo (seja o
IAPMEI, seja o Tribunal), implica um “compromisso assumido entre o
devedor e os credores envolvidos, e não um direito, e apenas deve
ser iniciado quando os problemas financeiros do devedor possam ser
ultrapassados e este possa, com forte probabilidade, manter-se em
actividade após a conclusão do acordo”.
Tudo
isso, aliado aos deveres de boa fé, cooperação activa na busca de
solução viável e credível, dever de o devedor actuar com máximo
respeito pelas perspectivas dos credores e com absoluta
transparência, aponta para uma clara
atribuição àqueles,
aos protagonistas de tais procedimentos, do juízo de controlo
recíproco mas decisivo sobre a verificação de tais pressupostos e
de confiança
naquele compromisso.
Logo
para papel
mínimo e residual das
referidas autoridades.
A
partir do normal conteúdo semântico da palavra “revitalização”
colhe-se a ideia fundamental. O propósito não é ressuscitar o já
insolvente, a pessoa impossibilitada de cumprir as suas obrigações
vencidas ou, no caso das colectivas, aquela cujo passivo seja
manifestamente superior ao activo. É, sim, reanimar a que conserva
ainda um sopro de vida, sendo necessário insuflar-lhe oxigénio
indispensável para que se reactive e reerga.
Assumindo-se
como objectivo primeiro, dada a situação do país, evitar a
liquidação de patrimónios e consequente “desaparecimento de
agentes económicos”, para proteger a economia, e visando o
processo “propiciar a revitalização do devedor”, procurou-se
através dele instituir um “mecanismo célere e eficaz”, mas
compreensivo de “soluções eficientes”, destinado àqueles “que
se encontrem em situação económica difícil ou em situação de
insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em
insolvência actual” ou, por outras palavras, que estejam “num
momento de pré-insolvência”.
Nesse
espírito, prevê-se uma “rápida homologação de acordos”,
“celebrados extrajudicialmente”, mediante “tramitação
bastante simplificada” e, naturalmente, nada
atreita a amplo e profundo controlo judicial, maxime
sobre
a justeza do recurso ao processo e a bondade ou mérito da solução
por via dele alcançada pelo intervenientes.
Foi
assim que, nos termos do nº 2 acrescentado ao corpo primitivo do
artº 1º, do CIRE, foi criado o novo “processo especial de
revitalização” (PER), cuja instauração o devedor pode requerer
ao tribunal, “estando
em situação económica difícil, ou em situação de insolvência
meramente iminente”.
Limitou-se,
pois, claramente a esse “estado” – não há dúvida – tal
possibilidade, enquanto que, para o de “insolvência actual”,
fica reservado o SIREVE (artº 2º, nº1, do DL 178/12) ou o normal
processo de insolvência previsto no CIRE.
Neste,
contudo, caso seja o próprio devedor a apresentar-se à insolvência,
equipara-se a “meramente iminente” à “actual” - artºs 3º,
nº 4, e 28º.
Aspecto
este, aliás, significativo: o devedor em estado de insolvência
“meramente
iminente”,
pode, em liberdade, optar
pelo
PER ou pelo CIRE, uma vez que tal situação fundamenta ambas as
hipóteses. Naturalmente deve
alegá-la,
quer para efeitos de satisfazer a fundamentação exigida no nº. 2,
do artº 1º, do CIRE (sendo o próprio devedor a requerer deve
indicar
distintamente qual
é a sua situação, nos termos da alínea a), do nº 2, artº 23º),
quer para os efeitos previstos no artº 17º-C.
Neste
caso, a manifestação
de vontade perante
o tribunal pressupõe a entrega de atestado
assinado
pelo requerente, e pelo menos, um dos seus credores, declarativo
de que reúne as condições necessárias para
a recuperação pretendida.
Note-se bem: basta um atestado meramente declarativo subscrito pelos interessados.
Note-se bem: basta um atestado meramente declarativo subscrito pelos interessados.
Quer,
portanto, o juízo
prévio de
avaliação sobre o concreto estado do devedor quer o de ponderação
do melhor caminho para se regenerar, conformidade dessa decisão à
lei e adequação do processo requerido, surgem subtraídos
à
apreciação e controlo da autoridade.
É assim porque, em coerência, tal esquema adequa-se e corresponde à auto-responsabilidade exigível ao devedor e harmoniza-se com os “princípios” que, como já visto, enformam o exercício ao seu direito de requerer a negociação. Com ele e com os fundamentais pressupostos se mostram adequadamente traçados os trâmites legais.
É assim porque, em coerência, tal esquema adequa-se e corresponde à auto-responsabilidade exigível ao devedor e harmoniza-se com os “princípios” que, como já visto, enformam o exercício ao seu direito de requerer a negociação. Com ele e com os fundamentais pressupostos se mostram adequadamente traçados os trâmites legais.
Em suma, através, deste processo judicial e com a reduzida intervenção do Juiz:
-promove-se
ou potencia-se uma negociação inteiramente extrajudicial, “fora
do tribunal” e quase fora do próprio processo, com “amplíssima
liberdade”, originada e fundada na manifestação de vontade e
consequente solicitação pelo devedor;
-assegura-se,
para o efeito, o chamamento dos credores, os quais, se o fossem
apenas mediante apelo exclusivo à sua participação livre e
espontânea, não seria exequível, prevenindo-se e dissuadindo-se,
assim, o seu eventual alheamento, e obrigando-se ao seu
comprometimento, sob pena de, caso não cooperem, se virem a achar
vinculados a um plano de recuperação em que não participaram (artº
17º-F);
-assegura-se
também, por simples efeito do processo judicial, a suspensão
generalizada de acções já intentadas e em curso (mesmo processos
de insolvência em que esta ainda não tenha sido decretada) obstando
à instauração de outras (de cobrança de dívidas), em
contrapartida do impedimento também cominado ao devedor de praticar
actos de especial relevo, de modo a, em tal interlúdio, assegurar a
“necessária calma para reflexão e para a criação de um plano de
viabilidade” (artº 17º-E, ºs 1, 2 e 6);
-garante-se
o contraditório na reclamação de créditos e a apreciação e
decisão jurisdicional das impugnações (artº 17º-D, nºs 2 e
3);
-como
contrapartida da ampla liberdade e auto-responsabilidade, primeiro do
devedor e, depois, do administrador, prevê-se a possibilidade de a
violação de obrigações especialmente ligadas ao processo e
causadora de prejuízos aos credores, ser apurada e julgada em
processo autónomo (artº 17º-Dº, nº11);
-a
intervenção judicial manifesta-se, ainda, na garantística
homologação ou recusa do plano, seja o aprovado por unanimidade ou
o aprovado com a maioria legalmente estabelecida, após negociações
desencadeadas pelo processo ou já ocorridas antes dele e a
culminarem no plano apresentado, com o importante efeito de tal
decisão vincular todos os credores, ainda que não participantes nas
negociações (artº. 17º-F ou 17º-I);
-no
despacho a nomear administrador judicial provisório, seja no caso em
que se parte para a negociação ou em que se chega a juízo já com
acordo extrajudicial assinado pelo devedor e pela maioria de credores
legalmente exigida (artº 17º-C, nº 3, alínea a) e 17º-I, nº2),
o tribunal limita-se a viabilizar e assegurar as condições para o
encontro de vontades das partes no sentido de se encontrar a solução
revitalizadora;
-o
Tribunal decreta a insolvência no caso de se frustrar o processo
negocial e de, entretanto, o devedor já se encontrar nessa situação
(artº. 17º-G, nº.3).
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