Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência
O
processo de insolvência é um processo universal e concursal
destinado a obter a liquidação de todo o património do devedor
insolvente, por todos os seus credores (art.º 1.º do CIRE).
Por
ser um processo universal, todos os bens do devedor que sejam
penhoráveis podem ser apreendidos para futura liquidação, com
vista à satisfação do interesse dos credores.
É
um processo concursal, porque todos os credores são chamados a
reclamar os seus créditos no processo, independentemente da natureza
dos mesmos, ficando-lhes vedada a possibilidade de obterem o
pagamento dos respetivos créditos por qualquer outra via que não a
do processo de insolvência. E, por outro lado, porque está imbuído
do princípio da proporcionalidade das perdas dos credores, por forma
a que, perante a insuficiência do património do devedor, por todos
sejam repartidas de modo proporcional as perdas (art.º 176.º do
CIRE) - Cfr. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da
Insolvência, 3.ª edição, Almedina, 2011, p. 12.
Declarada
a insolvência, no prazo fixado para o efeito na sentença, devem os
credores reclamar os seus créditos, em requerimento endereçado ao
administrador da insolvência, qualquer que seja a sua natureza e
fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por
decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo
de insolvência, se nele quiser obter pagamento (art.º 128.º do
CIRE).
Dentro
do prazo de 15 dias a contar do fim do prazo das reclamações, o
administrador da insolvência deve apresentar na secretaria judicial
duas listas, uma dos credores reconhecidos e outra de todos os
credores não reconhecidos, desta última devendo constar a indicação
dos motivos justificativos do não reconhecimento. Quanto a estes
últimos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que
os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva
reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador da
insolvência, por carta registada (art.º 129.º do CIRE).
Nos
10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº 1 do artigo
anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores
reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com
fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na
incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos
reconhecidos (art.º 130.º n.º 1, CIRE).
Se
houver impugnações, segue-se a tramitação prevista nos artigos
131.º a 140.º do CIRE.
Numa
primeira fase, de contradita, abre-se a possibilidade de resposta às
impugnações, é constituído um apenso único contendo as listas de
créditos reconhecidos e não reconhecidos pelo administrador da
insolvência, as impugnações e as respostas, após o que a comissão
de credores, deve emitir e juntar aos autos parecer sobre as
impugnações (Cfr. artigos 131.º a 135.º, CIRE).
Concluída
essa fase, seguem-se as fases de saneamento do processo e de
julgamento), para com o culimar desse acto ser proferida sentença de
verificação e graduação dos créditos reclamados (cfr. artigos
136.º a 140.º, CIRE).
Acontece,
porém, que nem sempre há lugar a prolação desta sentença,
situação que se pode configurar quando a satisfação dos direitos
dos credores não seja obtida pela liquidação
do património de um devedor insolvente e a repartição do produto
obtido pelos credores, mas
antes pela
forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie
na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (art.º
1.º CIRE).
Sobre
o que consiste o plano de insolvência, estabelece o artigo 192º, no
seu n.º1, que "O
pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa
insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e
pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois definido
o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de
insolvência em derrogação das normas do presente Código".
Com
efeito, nos casos em que for apresentado plano de insolvência
(art.ºs 192.º e sgts. do CIRE) e este venha a ser homologado por
sentença, o trânsito em julgado desta decisão importa o
encerramento do processo de insolvência, desde que a tal não se
oponha o conteúdo daquele (art.º 230.º n.º 1 al. b), do CIRE).
Nesse
caso, por seu turno, o encerramento do processo de insolvência
desencadeia um conjunto de efeitos, entre os quais se conta a
extinção do processo de verificação de créditos pendente, excepto se
tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação
de créditos prevista no artigo 140º, ou se o encerramento decorrer
da aprovação de plano de insolvência, caso em que prosseguem até
final os recursos interpostos dessa sentença e as acções cujos
autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias” (art.º
233.º n.º 2, al.b), do CIRE).
Outro
dos efeitos do encerramento do processo de insolvência, determinado
pelo trânsito em julgado da sentença que homologa o plano de
insolvência, reporta-se aos direitos dos credores, que passam a
ficar sujeitos ao regime constate da alínea c), do n.º 1, do art.º
233.º do CIRE, onde se estabelece o seguinte:
-
[c)] «Os
credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o
devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual
plano de insolvência e plano de pagamentos e do nº 1 do artigo
242º, constituindo para o efeito título executivo a sentença
homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de
verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de
verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a
sentença homologatória do plano de insolvência».
Para
que melhor se compreenda esta disciplina, recorreremos ao elucidativo
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06-11-2012, onde se
explica o seguinte:
A
finalidade única e última do processo de insolvência é a
satisfação dos interesses dos credores.
Este
objectivo pode, todavia, ser prosseguido por dois modos
diferenciados: através da liquidação universal do património do
devedor e a partilha ou a repartição do respectivo produto pelos
credores, de acordo com o esquema supletivo disposto na lei; através
da satisfação dos credores pela forma regulada num plano de
insolvência aprovado pelos credores, que se baseie, nomeadamente, na
recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (artºs 1 e
192 nº 1 do CIRE).
O
plano de insolvência constitui, por isso, na lógica do CIRE um meio
alternativo à liquidação universal dos bens do devedor, que
decorre segundo o modelo supletivo traçado na lei.
Com
o plano de insolvência procura-se dar ao problema da insolvência do
devedor uma resposta diferente da pura e simples liquidação,
universal e colectiva, do seu património, segundo o modelo supletivo
desenhado no CIRE.
Todavia,
para que produza os efeitos jurídicos para que se mostra ordenado, o
plano deve ser objecto de homologação judicial: embora a sentença
homologatória limite o seu controlo à legalidade do plano - e não,
note-se, ao seu mérito - aquele acto decisório do tribunal
constitui uma verdadeira condição de eficácia do plano (artº
217 nº 1 do CIRE).
O
juiz da insolvência está, portanto, vinculado ao dever de controlar
a legalidade do plano de insolvência, devendo recusar, ex-ofício, a
sua homologação, designadamente, caso o seu exame o leve a concluir
que se verificou uma violação, não negligenciável, de regras
procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo (artº 215
do CIRE).
Na
sua versão originária, o CIRE exigia, como conditio sine qua non da
realização da assembleia de credores convocada para deliberar sobre
a proposta de plano de insolvência, o prévio proferimento da
sentença de verificação e graduação dos créditos reclamados e a
extinção do prazo da sua impugnação por meio de recurso ordinário
(artº 209 nº 2, na redacção anterior à que lhe foi conferida
pelo artº 1 do Decreto-Lei nº 200/2004, de 18 de Agosto).
Em
face da desrazoabilidade da solução, o legislador deixou de exigir,
como condição de realização da assembleia de credores, convocada
para aquela finalidade, o prévio proferimento da sentença de
verificação e graduação dos créditos reclamados (artº 209 nº 2
do CIRE, na redacção que lhe foi impressa pelo artº do Decreto-Lei
nº 200/2004).
É,
portanto, perfeitamente admissível realizar a assembleia de credores
para se deliberar sobre a aprovação do plano de insolvência – e,
evidentemente, aprovar o plano, antes do proferimento da sentença de
verificação dos créditos.
Simplesmente,
nesta conjuntura o plano deve acautelar os efeitos da eventual
procedência das impugnações deduzidas contra a lista de credores
reconhecidos de forma a assegurar que, nessa hipótese, seja
concedido aos créditos controvertidos o tratamento devido (artº 209
nº 3 do CIRE)» [Proferido
no Processo n.º 444/06.4TBCNT-Q.C1, HENRIQUE ANTUNES, disponível
em www.dgsi.pt].
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