A inexistência de rendimento disponivel e o prosseguimento do processo de insolvência para avaliação dos pressupostos do pedido de exoneração de passivo restante
A medida inovadora relativa à exoneração dos créditos sobre a insolvência pretendeu conjugar o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares da possibilidade de se libertarem de algumas dívidas com vista à sua reabilitação económica.
O princípio do fresh start (começar de novo) para as pessoas singulares de boa fé mas em situação de insolvência, traduz-se no poder de ser concedido ao devedor a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. Para que tal aconteça, o devedor no decorrer no período correspondente a cincos anos, apelidado de «período de cessão», encontra-se obrigado ao pagamento dos créditos de insolvência que não hajam sito integralmente satisfeitos durante aquele período. No decorrer deste período, o devedor, fica adstrito ao cumprimento de inúmeras obrigações, de entre as quais, ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário (individuo nomeado pelo Tribunal), o qual afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. Com efeito, concessão desse benefício impõe e exige do devedor uma conduta recta, cumpridora e de boa fé, quer no período anterior à insolvência, quer no período posterior.
No termo do mencionado período de cessão, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido o despacho de exoneração, o qual tem por fim liberta-los das eventuais dívidas que ainda se encontrem pendentes por falta de pagamento.
Acontece que, a questão em análise centra-se na inexistência de rendimento disponível, o qual corresponde ao rendimento que a globalidade das famílias de uma determinada economia têm disponível para utilizar no consumo de bens para satisfazer as suas necessidades essenciais.
O processo de insolvência tem por finalidade o pagamento dos créditos da insolvência na medida em que o património do devedor o garanta. A insolvência não só deve ser perspectivada por aquilo que o devedor pode pagar só a alguns credores, mas também que ele não poderá pagar a ninguém. Assim, a insolvência revela a incapacidade patrimonial do devedor para satisfazer regularmente as suas obrigações.
Tem-se verificado, amiúde, uma errada interpretação da alínea d) do art. 238.º do CIRE. Isto porque, a aludida alínea, adiante-se já, não comporta o reconhecimento da inexistência de bens ou quaisquer rendimentos disponíveis.
Com efeito, o devedor singular está obrigado durante o período de cessão, a ceder o rendimento disponível no momento da insolvência e em momento posterior, pelo que deve relevar o facto de o mesmo poder vir a auferir um rendimento superior àquele. Tal demonstra que não é possível aferir no momento da declaração de insolvência se os credores nada irão receber, já que durante aquele período de cessão, os insolventes poderão adquirir bens ou auferir rendimentos, os quais serão por essa via cedidos para pagamento aos credores. Contudo, mesmo considerando que tal não irá acontecer, nem por isso se poderá dizer que o pedido de exoneração do passivo restante é impossível ou inútil.
Importa não esquecer que a exoneração do passivo restante não visa a satisfação dos credores, visa também permitir ao devedor, e em seu benefício, a possibilidade de se libertar de algumas dívidas com vista á sua reabilitação económica e financeira. É certo que o legislador ao prever este instituto, considerou ambas as partes e não apenas o ressarcimento dos credores. Não se poderá afirmar que a inexistência de rendimento obstaculiza por inutilidade, o processo de insolvência. É pois nestes casos que o devedor insolvente, perante a sua situação precária, necessita de forma evidente a sua recuperação e reabilitação económico-financeira. A impossibilidade de concessão deste instituto com base nestes pressupostos penalizaria o devedor insolvente, “empurrando-o” para uma situação mais difícil. (Tal seria injusto, por não igualizarmos, à luz da lei, este devedor em situação mais difícil relativamente a outros que, por poderem dispor de alguma parte do seu rendimento, (mesmo pouco) já estariam em condições de beneficiar da exoneração do passivo restante, libertando-se, ao fim de algum tempo, do seu passivo restante, adquirindo por essa via, condições para ultrapassar a situação de insolvência em que se encontraram.
Note-se que nada na lei impõe que, para que o devedor insolvente possa recorrer a este instituto, tenha necessariamente que possuir bens ou auferir rendimentos suficientes, com vista a ceder para pagamento aos credores. Aliás o legislador não incluí no mencionado art. 238.º do CIRE e como fundamento de indeferimento liminar a inexistência de rendimentos ou impossibilidade do credor dispor de parte dos mesmos.
Por conseguinte, e considerando uma situação prática: o devedor pode até não ter emprego, mesmo quando o Tribunal se pronuncia sobre a admissão do pedido de exoneração, porque o perdeu e, consequentemente, possa não ter, nesse momento, rendimento disponível. Por um lado a lei não exige existência de rendimentos de proveniências diferentes do trabalho para que o devedor possa beneficiar da medida de protecção em análise.
A lei apenas exige o cumprimento das referidas obrigações previstas nas diversas alíneas do nº 4 do citado artigo 239º do CIRE e, nomeadamente, as destinadas a garantir que o devedor é diligente na procura da manutenção de um rendimento que possa vir a satisfazer os credores (obrigando-o justamente a procurá-lo, o que inculca a ideia de que o legislador previu a possibilidade de inexistência de rendimento).
Nas palavras de ASSUNÇÃO CRISTAS, procura-se com o período de cessão iniciar um «período probatório que, no final, pode resultar num desfecho que lhe seja favorável. Sendo certo que esse desfecho favorável depende totalmente da sua actuação».
Em suma, a exiguidade ou inexistência de rendimento disponível no momento em que é proferido despacho liminar ou o despacho inicial no incidente de exoneração do passivo restante, não constitui fundamento, para se indeferir o pedido de exoneração do passivo restante. Dever-se-á, apenas, apurar a reunião dos requisitos previstos no art. 238.º CIRE.
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