Tribunais apenas conseguem cobrar 7,6% de dividas de empresas
Tribunais apenas conseguem cobrar 7,6% de dívidas das empresas
Falências. Na maioria dos casos o devedor não paga por falta de património. Mas há situações em que os empresários fazem vendas fictícias ou doações dos seus bens a familiares para evitar cobranças
Mais de 90% do total de dívidas de empresas confirmadas pelos tribunais em processos de insolvência não são pagas aos credores. Segundo dados revelados pela Direção-Geral da Política de Justiça, a percentagem de cobrança é muito reduzida pela falta de património dos titulares das dívidas. Mas também há muitos casos em que os empresários fazem vendas fictícias dos seus bens ou doações a familiares para que não sejam alvo das cobranças da Justiça, o que acaba por deixar os credores sem qualquer possibilidade de recuperar o dinheiro perdido. E para tornar essa tarefa ainda mais difícil, há sempre credores com direito de preferência, como o Estado (fisco, Segurança Social) e credores garantidos por hipoteca, que na maioria são bancos. Cada processo nos tribunais judiciais de primeira instância custa cerca de dois mil euros só em honorários de administradores de insolvência.
Tribunais não cobram 90% das dívidas de empresas
Justiça. Na maioria dos casos em que um juiz valida um crédito, o devedor não paga por falta de património. Mas há situações de má fé em que são feitas vendas fictícias para esconder bens
FILIPA AMBRÓSIO DE SOUSA
Em mais de 90% dos casos de dívidas de empresas confirmadas em tribunal no decorrer de processos de insolvência, os credores não chegam a ver a cor do dinheiro.
Os dados constam das estatísticas da Direção-Geral de Política de Justiça (DGPJ), referentes aos meses de janeiro a setembro do ano passado e dizem que, apesar de o tribunal confirmar a existência de uma dívida, no decorrer de um processo de insolvência e falência de uma empresa, o devedor nunca chega a pagar o montante atrasado. “A taxa de recuperação de créditos cifra-se apenas em 7,6%. As restantes 92,4% das dívidas não foram correspondidas por um pagamento efetivo das mesmas”, segundo refere o boletim das estatísticas do MJ, a que o DN teve acesso.
A razão é simples, segundo os especialistas em insolvências contactados pelo DN. “Falta de património, se houver boa fé dos devedores no processo”, explica Alexandra Dias Teixeira, advogada da José Pedro Aguiar Branco & Associados. “Quando algum cliente nos pede ajuda nos processos de insolvência em que são credores, a estimativa que faço é logo de que não espere receber nada”, explica a mesma advogada, que acrescenta que, ainda assim, esse valor dos quase 8% é elevado, atendendo à experiência que tem com os seus clientes, “porque são mesmo raríssimos os casos em que efetivamente a dívida é paga”, sublinha.
Paulo Lopes Cardoso, advogado do Porto especialista em direito comercial, confirma que “só pode ser por falta de património, mas partindo do pressuposto que falamos de insolvências não fraudulentas”. O advogado assume que, “infelizmente a maioria são de má fé”.
Nesses casos, os empresários que declaram falência, fazem doações a familiares ou vendas fictícias, de forma a delapidar o património todo que, mais tarde, poderia vir a ser reclamado pelos credores. “Por isso vemos esses números vergonhosos de falta de recuperação do dinheiro em dívida”, explica Paulo Lopes Cardoso.
O processo de insolvência é uma execução judicial que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor com rendimentos inferiores às despesas e a posterior a repartição do valor obtido pelos credores (ver caixa em baixo). Para isso, estes recorrem aos administradores de insolvências, os “responsáveis” por todo este processo de reconhecimento e partilha de bens em dívida. Por cada processo, os empresários falidos ainda pagam cerca de 2000 euros a estes profissionais.
Em Portugal existem cerca de 300 destes administradores. Uma proporção baixa de profissionais para o total de quatro mil processos deste tipo que em cada trimestre entram nos tribunais portugueses, segundo dados do Ministério da Justiça (MJ). Mais ainda quando há sempre credores com direito de preferência, como o Estado (fisco, segurança social) ou os credores garantidos por hipoteca, que na maioria são bancos.
Os elementos recolhidos pela DGPJ permitiram concluir que aumenta a proporção de processos de valor situado entre mil e 9999 euros, a que corresponde um aumento dois por cento comparativamente a 2012. Em sentido inverso, o número de processos entre 10 mil e 49 999 euros sofreu uma redução de dois por cento.
Segundo a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, explicou no Parlamento, “os processos de falência ou recuperação de empresa demoram dois meses a ficarem concluídos”, contrastando com os sete meses de 2007.
O QUE DIZ A LEI
As despesas superiores aos rendimentos
A insolvência consiste na impossibilidade de cumprir com as dívidas vencidas. No caso das pessoas singulares, considerasse insolvente aquele que já não tem capacidade para cumprir com os compromissos que assumiu: as despesas são superiores aos rendimentos. Tratando-se de uma empresa, a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas implica um juízo de análise do conjunto do passivo e das circunstâncias do incumprimento, de que resulte a conclusão de que a empresa não poderá cumprir e avança-se para um processo judicial.
NÚMEROS
4403
A comparação dos terceiros trimestres entre 2007 e 2013, revela um aumento de 424% no número de processos de falência, insolvência e recuperação de empresas nos tribunais judiciais de primeira instância. Foram 839 em 2007 e 4403 em 2013.
556
Os tribunais decretaram 556 insolvências de julho a setembro de 2007. Em 2011 foram 3369 e, em 2013, chegaram a 3641.
2183
0 valor, em média, que é gasto num processo desta natureza é de 2183 euros, segundo o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça do Ministério.
4456
No terceiro trimestre do ano passado foram concluídos 4456 processos de falências de empresas realizados nos tribunais de primeira instância. Mais 13 ações judiciais que no período homólogo do ano anterior.
18 mil estão na ‘lista negra’ dos devedores nacionais
cobrança “A um devedor que não tenha nada, particular ou empresa, não lhe acontece nada porque oficialmente não há nada para ir buscar. Nem dinheiro, nem património”, explica o advogado Paulo Lopes Cardoso.
“No caso específico de uma empresa, se entretanto esta encerra por falência, o credor não tem muito a fazer para conseguir reaver o dinheiro”, explica Já nos casos de processos de recuperação de uma empresa, o que acontece é que “os credores reúnem em assembleia de credores e muitas vezes acordam em, ao invés de ficarem com 100% da dívida, perdoar parte e receber apenas, imaginemos, 30%”, explica o especialista – “Pelo menos é isso que acontece na maioria dos casos em que eu trabalho”.
Segundo dados avançados no final do semestre do ano passado, a cada dia são acrescentados cem nomes à lista nacional de devedores. São casos de pessoas quehttp://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=715860&tm=6&layout=122&visual=61 já não têm quaisquer bens em seu nome e, de Janeiro a Junho do ano passado, essa lista registou um aumento de quase 50%.
Nesse período entraram para o rol mais 18 680 nomes de pessoas singulares (a grande maioria) e de empresas, a uma média diária de 98 novas entradas. Nos seis meses anteriores, o ritmo era de 56 novos nomes todos os dias. Mas, de lá para cá, a lista já teve um crescimento de 49,6%. Em causa estão situações de pessoas endividadas processadas por credores que as tentaram penhorar, mas em que se verificou que já não havia quaisquer bens que pudessem servir para garantir o cumprimento das dívidas.
Esta lista pública de devedores – acessível no Banco de Portugal foi criada para evitar que os credores avancem com novas ações executivas que, muito provavelmente, não terão qualquer sucesso. Por outro lado, tem também por propósito evitar a concessão de novos créditos a quem já não tem meios financeiros.
Diário Notícias | Segunda, 10 Fevereiro 2014
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